SEVERIDADE PATERNA
NA CORTE DA ESPANHA
Com a coroação de Carlos V, Rei da Itália, em 1530, iniciava na península italiana a dominação imperial espanhola. E sendo a família Gonzaga uma das mais fiéis à Espanha em todas as épocas, sempre recebeu do Reino: distinções, cargos, honrarias e riquezas. Assim, Dom Fernando sentiu-se feliz ao receber do Rei Felipe II, o honroso encargo de acompanhar a irmã dele, a Imperatriz Maria da Áustria, viúva de Maximiliano II.
Por recomendação do seu irmão Rei Felipe II, a Imperatriz Maria deixou a Boemia e viajou para a Itália. E conhecendo pessoalmente Dom Fernando e Dona Marta, convidou a Marquesa para ser a sua companheira de viagem a Madri. Desse modo, Dom Fernando e a esposa Dona Marta, decidiram levar toda a família, inclusive os serviçais, e também, o Marquês achou que seria um bom auxílio, chamar novamente o preceptor Del Turco para acompanhar os Marquesinhos, que agora já eram cinco: Luizinho, Rodolfo, Francisco, Isabel e Cristiano-Vicente. Chegaram à capital espanhola no dia 7 de Março de 1582, com a cidade coberta de neve.
Luís e Rodolfo foram designados pajens de honra do herdeiro Dom Diego, e os demais também receberam funções, sendo Isabel escolhida como Dama da Princesa Clara Eugênia.
O Rei Felipe II era católico praticante e não tolerava a heresia e se considerava um autêntico representante de DEUS. Vestia com extrema simplicidade e tratava seus súditos com benignidade e critério. Dom Fernando e Dona Marta estavam felizes e muito satisfeitos com os acontecimentos.
Luis, pelo seu lado, gostava do pessoal e construiu sólidas amizades. Mas não gostava do ambiente da corte, sempre agitado, com os cortesãos preocupados com o ócio azafamado, onde a emulação e a inveja, a adulação, o galanteio, as conversas sem fim e os mexericos, formavam o dia a dia daqueles nobres senhores, e isto, naturalmente o desgostava. Mas, pessoalmente, procurava empregar bem o seu tempo, nos estudos e nas orações.
Em face da sutileza do seu raciocínio, o garbo das observações e a lógica firme dos argumentos, em 29 de Março de 1585, com 15 anos de idade foi designado para saudar o retorno vitorioso de Felipe II da expedição que fez a Portugal. E se desincumbiu de maneira tão admirável, que deixou toda a corte e o Rei, satisfeito e lisonjeado.
Pelo fato da sua função na corte, como companhia do Príncipe Dom Diogo, estar lhe absorvendo todo o tempo, não tinha oportunidade de exercitar a sua espiritualidade, como sempre cuidou. Por isso, resolveu assumir a própria vontade, colocando os interesses da sua alma em primeiro plano. Escolheu para Confessor o Padre Jesuíta Fernando Paterno S. J. e, sob a sua direção começou a se confessar e a comungar seguidamente.
Sua alma que adormecia tranquila, em face de tantos acontecimentos, novamente entrou em erupção como vulcão forte e ativo, em maior atividade do que antes.
Acontece que Dom Diego foi assaltado por fortíssimas febres. Sua mãe, a Rainha Isabel, nervosa e preocupada, estava sempre presente ao lado do filho. Os médicos e auxiliares da saúde no palácio se empenharam para debelar o fato, restituindo-lhe o bem-estar. Fizeram-lhe uma sangria, que pareceu reanimá-lo. Confessou e recebeu do sacerdote o Santo Viático. Mas sua saúde não reagia. No dia 21 de Novembro de 1852, foi celebrada uma Santa Missa em seu quarto, mas o seu estado de saúde permanecia precário, declinava visivelmente. Recebeu a Extrema Unção e logo depois, faleceu.
Luís passou aqueles primeiros dias em profunda reflexão. Lamentava o falecimento precoce de Diogo, mas rezava sempre suplicando a misericórdia de DEUS pela alma dele.
E nas suas reflexões começou a pensar seriamente em entrar numa Congregação Religiosa. E assim, mentalmente raciocinava sobre os hábitos e a disciplina de cada uma, das muitas Congregações que ele conhecia. E rezou muito, suplicando a SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA DO BOM CONSELHO, que conseguisse de DEUS um sinal para definir o seu caminho. E foi rezando com muita fé, confessando com seriedade e pureza da alma, que recebeu um sinal maravilhoso. Diante de um quadro milagroso da VIRGEM MARIA, no dia da festa da Assunção de NOSSA SENHORA aos Céus, se ajoelhou piedosamente e começou a rezar a oração “Lembrai-vos” . Uma luz interior, misteriosa e vivíssima acendeu em seu espírito com uma clareza tão absoluta que lhe fez compreender a Vontade Divina: “DEUS o queria na Companhia de JESUS”.
Sentiu sua alma inundada de alegria e no mesmo momento foi ao encontro do seu Diretor Espiritual, e lhe descreveu o acontecido, pedindo a sua ajuda. O Padre Fernando concordou que sem dúvida, ele tinha recebido o chamado de DEUS, e para que as coisas caminhassem dentro da normalidade, os fatos teriam que ser encaminhados aos Superiores da Companhia de Jesus, que tinham na conta como essencial, o consentimento do Marquês seu pai. Este era o caminho certo a ser percorrido e, que se verdadeiramente fosse à vontade do SENHOR, “por difícil e crucial que fosse o trajeto, o navio acabaria completando a sua rota e ancorando num porto bem firme e seguro” (palavras do Padre).
A DIFÍCIL CAMINHADA
Luís pressentia que sua vida seria curta e, portanto, tinha que agir no menor tempo. Não poderia perder nem horas e nem alguns minutos. Na mesma noite, levou sua mãe ao seu aposento, e com a porta trancada, lhe contou tudo. A conversa entre os dois ficou um grande segredo. Todavia, uma coisa é certa, a mãe sintonizava perfeitamente no mesmo desejo do filho, e o teria auxiliado na realização daquilo que ela também acreditava ser a Vontade de DEUS.
Mas os compromissos da corte e as providências que sempre lhe cabia, ocupavam todo o tempo de Dom Fernando. E assim foi até o dia em que surgiu a oportunidade. Dona Marta com delicadeza e prudência, foi descrevendo os acontecimentos e mencionou as intenções do Luís. Dom Fernando de imediato explodiu numa tempestade de cólera. Mostrou-se indignado com o caso, abandonou o aposento e sem fazer o mínimo caso às súplicas e lágrimas da sua esposa, bateu a porta, desceu as escadarias e ficou vagando pelo imenso parque real. E ali permaneceu com seus pensamentos e julgamentos descabidos.
Os dias passaram e o Marquês permaneceu sério, sem se manifestar a respeito do assunto. Luís, porém, encorajado pela mãe se apresentou diretamente ao pai, e com o mais humilde e respeitoso modo, lhe falou dos direitos de DEUS sobre ele e da obrigação paterna de deixá-lo livre para escolher o seu ideal. Dom Fernando ficou da cor de brasas. Com palavras ásperas e grosseiras repreendeu o filho e o ameaçou entregá-lo a flagelação e encerrá-lo na fortaleza. Expulsou-o da sua presença. Luizinho de cabeça baixa e em silêncio ouviu tudo aquilo. Fixou humildemente as faces de seu pai e falou: “Agradeço a DEUS por merecer sofrer um pouco por seu amor!” E retirou-se.
O Marquês ficou perplexo, e por longo tempo se ouviu os seus passos pesados e nervosos, na sala onde aconteceu a entrevista com o filho. E sempre pensando, imaginou que foi o seu Diretor Espiritual, o Padre Jesuíta Paterno quem persuadiu o seu filho a abraçar o estado religioso. Mandou chamá-lo.
Ele veio calmo e com toda a dignidade expôs a verdade sobre o assunto. Somente naqueles últimos dias foi que o Luís lhe falou dos projetos dele. Mas não lhe pediu a opinião, apenas informou à decisão que ele Luís, havia tomado. Em seguida, o Padre falando diretamente ao coração de Dom Fernando, lhe expôs: “Veja senhor, para esta vida santa que o rapaz cultiva não é uma maravilha tal desfecho”? E com um raciocínio correto e bem dirigido, o Padre continuou argumentando, que ele o pai, devia se sentir feliz por aquele sinal da predileção Divina e consentir os desejos do seu primogênito. Luizinho estava presente ao encontro. Diante das palavras explicativas do Padre, o espírito do Marquês ficou mais sereno. E então, ele buscou raciocinar e comentou dizendo que ao menos o Luizinho devia procurar uma Ordem de conformidade com a sua dignidade e a estirpe da família, e não aquela Ordem paupérrima dos Jesuítas. Luís com humildade, mas com franqueza respondeu ao pai que exatamente esse motivo o havia atraído para a Companhia de JESUS.
E então, diante da decidida vontade do filho, e sendo bom cristão, ele não tinha a intenção de se voltar contra a Vontade de DEUS. Por isso, resolveu protelar a sua decisão, raciocinando que o tempo é o melhor remédio e sempre se incumbe de fechar feridas e alterar atitudes difíceis de serem aceitas. Ele acreditava que o Luizinho poderia desistir de abraçar o estado religioso. E para ajudá-lo a conseguir este êxito, chamou o seu parente Padre Francisco Gonzaga, para fazer o Luís renunciar o seu projeto ou pelo menos, protelar a entrada na Companhia de JESUS até depois do retorno da família à Itália. O digno sacerdote, entretanto não aceitou a missão na sua totalidade, apenas consentiu em solicitar ao Luís adiar a sua decisão final até o retorno a Castiglione, na Itália.
RETORNO A ITÁLIA
Estando o Rei Felipe II de pleno acordo, o Marquês Dom Fernando levou a família de volta a fortaleza de Castiglione, somente permanecendo Isabel na corte de Madri, por que era Dama da Princesa Clara Eugênia.
Com imensa alegria, chegaram ao palácio de Castiglione no dia 28 de Julho de 1584. E com o auxílio da Mãe, Luís se apressou a preparar tudo o que lhe parecia necessário, para o seu ingresso na Ordem Religiosa. Isto, sem ousar demonstrar ao seu pai, naturalmente ocultando dele todas as providências referentes ao seu projeto. O seu relacionamento com Dom Fernando era amável, embora o seu pai se mostrasse muito reservado com o filho.
MISSÃO DIFÍCIL
E assim os dias passaram, até que Dom Fernando mandou chamá-lo para conversar. Primeiro perguntou se o filho ainda estava decidido a seguir naquele mesmo projeto. Diante da afirmativa do filho, o Marquês com muita amabilidade disse-lhe, que antes de abandonar o mundo desejava que em companhia do irmão Rodolfo, fizesse uma visita por todas as cortes vizinhas e aparentadas com os Gonzaga, a fim de saudá-las. Cumprida esta missão social, ele ia lhe permitir, sem mais, seguir a sua vocação.
Para o Luís foi um duro golpe, pois teria que enfrentar aquele ambiente em todas as três (3) cortes vizinhas. Não teve outro recurso, obedeceu.
Fizeram os preparativos. E assim, em companhia do irmão e escoltado por um belo grupo de nobres, parentes e amigos, Luís partiu também acompanhado pelas orações e os melhores augúrios da sua piedosa mãe, que tremia por sua vocação, embora ela estivesse bem segura da grandeza das virtudes do seu primogênito. Pelo seu lado, Dom Fernando ao contrário, supunha que o luxo e os divertimentos das cortes, acabariam por distrair o jovem da sua vocação.
A primeira visita foi a corte de Mântua (Casale, onde o pai foi Governador); depois a corte de Ferrara; e finalmente seguiu a corte de Turim. Num banquete acompanhado de notável orquestra, Luís foi convidado por uma das donzelas, a dançar. Ficou igual uma brasa, rubro, e sem dizer uma palavra, ergueu-se com dignidade e abandonou a sala. Em vão esperaram pelo retorno dele. Quando a festa terminou, o tio foi encontrá-lo no compartimento reservado aos criados, ajoelhado em atitude de tanta devoção e recolhimento, que não ousou perturbá-lo. Ainda em Turim, estando na antecâmara do príncipe Jerônimo Della Rovere, que embora já tendo certa idade, ousou entreter-se com outros rapazes mais novos, com palavras imorais e sedutoras. Luis não gostou e não se conteve: “Um homem da idade de vossa senhoria não se envergonha de praticar tais coisas? Isso é escandaloso e dá mau exemplo, por que corrompe os bons costumes”. O homem se calou e todos ao redor empalideceram.
Luís aproveitou aquele “tour” pelas cortes vizinhas para deixar evidente e consolidada a sua vocação. Aumentou o seu recolhimento, suas orações, frequentou casas religiosas, procurando sempre fazer do serviço de DEUS um elevado conceito. Os contatos as tantas vaidades da vida o confirmaram mais e mais em seu generoso propósito. Luís sabia que as batalhas da santidade são travadas pessoalmente e, são vencidas não com a espada, mas com a Cruz. Por isso mesmo, insistia nas mortificações e multiplicava as suas penitências. Terminada a missão, voltou para casa.
GÊNIO FORTE DO PAI, FUGA E FLAGELAÇÃO
Em Castiglione os dias se sucediam e Dom Fernando permanecia silencioso, não chamava Luís para cumprir o que ele mesmo havia prometido ao filho. Até que um dia, estando acamado com sua velha artrite, mandou chamar o seu primogênito e lhe perguntou: “O que ele pretendia fazer”? O filho respondeu: “Servir a DEUS na Companhia de JESUS, segundo a minha vocação”.
Dom Fernando se desesperou, palavras amargas e fortes saíram da sua boca, chamando o filho de indigno, desgraçado, um renegado, e ordenou que saísse imediatamente, que não aparecesse mais ali.
Luís profundamente magoado, mas firme na sua decisão, abaixou a cabeça e em silêncio se retirou. Mas não se limitou somente a isto. Interpretando ao pé da letra a ordem do pai, de que abandonasse o castelo, chamou o camareiro e reunindo os seus livros e objetos pessoais indispensáveis, foi com ele para o Convento Jesuíta de Santa Maria, que não estava longe de Castiglione, e onde havia uma casa de campo de propriedade da família Gonzaga. Luís se instalou nela.
No Castelo os comentários referentes à “fuga do Luís” se espalharam, assim como a tristeza e a dor pelo fato acontecido. Mas ninguém no palácio tinha a coragem de levar o fato ao conhecimento do Marquês, por que a explosão da sua cólera era violenta e imprevisível.
Depois de alguns dias o gênio de Dom Fernando estava mais tranquilo e então, temendo ter feito sofrer em demasia o filho que ele amava, pediu notícias dele. A resposta foi um amargo e doloroso fel para o seu espírito já atormentado:
- “Luís não se encontra mais no palácio... Retirou-se para o Convento dos Capuchinhos”.
Com terrível desabafo, cheio de raiva, levantou-se do leito e gritou ordens para todos os lados, exigindo que trouxessem de qualquer maneira o “fujão” a sua presença. Uma vez chegado o filho, cobriu-o de recriminações e ameaças, tocou todas as teclas do seu abominável repertório, do raivoso ao patético, e mandou que ele se retirasse, mas não se afastasse dos seus aposentos.
Este foi o maior tormento de Luis: queria seguir o seu ideal, concluir a missão da sua vida, mas não queria ofender e nem maltratar ninguém e, muito menos ao seu pai. Por que apesar de tudo, ele amava o seu pai, amava a sua família, especialmente a sua mãe. Ele não queria e não deseja fazê-los sofrer. Entrando em seu quarto, seu coração doía à força dos soluços e das lágrimas que caudalosas jorraram de seus olhos. Lançou-se aos pés do Crucifixo, prostrando-se de joelhos no chão do quarto e suplicou a misericórdia do SENHOR com o remanescente das suas forças. Em seguida, desnudando os ombros e pegando um flagelo, açoitou as suas frágeis costas com uma violência nunca vista! Lágrimas e sangue mancharam o pavimento!
Enquanto isso, a força da amargura e a desilusão já haviam deixado o coração de Dom Fernando, e uma ternura em forma de brisa lenta e suave chegou e soprou na sua alma, envolvendo completamente o seu espírito. Não suportou mais. Acionou nervosamente a campainha, ordenando a presença do comandante. Este, que já se encontrava nas proximidades apresentou-se imediatamente e ouviu a ordem, que era para espiar o que o Luís estava fazendo e trazer um relato urgente.
O comandante foi, mas a porta do quarto do Luís estava trancada. Então munido de um punhal, escavou uma olheira no canto da porta e viu o Luís ajoelhado no chão flagelando o seu corpo com muita violência, e o sangue escorrendo pelo corpo e se misturando com as lágrimas que desciam dos olhos. Nem aquele rude homem suportou. Teve uma impressão de dor tão forte que também chorou e, correu para contar a Dom Fernando. Dona Marta que estava presente e ouviu o relato ficou preocupada, também não conseguiu segurar as lágrimas. O Marquês então não resistiu, fazendo-se assentar na sua cadeira de artrítico, junto com a esposa foi até a porta do quarto de Luís e, pela mesma fresta cavada na porta, viu o seu filho se flagelando decididamente de maneira cruel. O coração dele não resistiu, enquanto a esposa chorava bateu fortemente na porta do quarto chamando pelo filho. Luís se apressou a se recompor, inclusive removendo o excesso das lágrimas da sua face e abriu a porta. Sobre o assoalho, no entanto, viam-se em quantidade os sinais de sangue e das lágrimas vertidas por ele. Abraçaram-se num choro incontido e repleto de dor. Não mais era possível Dom Fernando negar a tão ansiada permissão ao seu filho. Ele mesmo escreveu a Roma, ao seu primo Cipião Gonzaga, Patriarca de Jerusalém, recomendando-lhe interpor seus bons ofícios junto ao Geral dos Jesuítas, a fim de que o filho que verdadeiramente ele ama, fosse aceito entre os aspirantes da Ordem.
Padre Cláudio Acquaviva, Geral da Companhia de JESUS, respondeu que o jovem seria bem vindo, e que se poderia preparar para entrar no Noviciado.
O júbilo de Luís foi indescritível. Depois de agradecer a DEUS pela graça alcançada, escreveu pessoalmente ao Padre Geral, anunciando o dia da partida.
RENÚNCIA AO MARQUESADO E MISSÃO EM MILÃO
Toda família, agora bem unida, se empenhavam em facilitar tudo ao Luís para ele seguir o caminho da religião. E desse modo, foi necessário encaminhar as autoridades, o renuncio ao marquesado, deixando o lugar para o seu irmão Rodolfo, assim como, foram tratados dos assuntos relativos aos bens imóveis e a herança. O documento devidamente concluído foi aprovado e assinado por todos, conforme o direito e, encaminhado a aprovação do juízo competente.
À medida que se concluía esta parte burocrática da família, importantes assuntos exigiam a presença de Dom Fernando em Milão. Ele, todavia, impossibilitado de viajar, pregado ao leito pela artrite, pensou e decidiu confiar a missão ao seu filho Luís. E assim, depois de lhe haver ministrado todas as instruções referentes ao caso, o enviou com respeitável legação.
Luís nos nove meses em que permaneceu em Milão demonstrou como se fosse um consumado diplomata, sua extrema delicadeza aliada a sua modéstia, unida a uma admirável concentração em cada assunto, deixou encantados e conquistados todos aqueles que trataram com ele. Dessa forma o êxito da missão correspondeu plenamente às esperanças e à expectativa do Marquês.
Mas ele não se limitou somente a tratar dos interesses paternos, todo tempo que sobrava consagrou aos estudos. Frequentou o célebre Colégio Brera mantido pela Ordem Jesuíta. E mesmo sendo um nobre e com todas estas atividades, nada em seu exterior distinguia dos demais. Trajava um simples fato (veste) de lã negra, sem ornamentos e sem espada.
UMA REVIRAVOLTA NO CASO
O documento oficial, a respeito do abandono do marquesado por Luís já estava pronto e o trabalho em Milão aproximava-se do final, quando de súbito, Dom Fernando lá apareceu, não para lhe trazer a suspirada licença, conforme haviam combinado, mas para resistir, não concordando com a entrada do filho no estado religioso. Mas desta vez ele escolheu outras armas, deixou a ignorância, o nervosismo e a grossura de lado e apelou fortemente para o coração do filho. Falou da grandeza construída pelos antepassados, das responsabilidades do presente, que ele já velho e doente, precisava deixar alguém como ele, Luís, a fim de continuar com a mesma administração firme responsável. E assim falando, o Marquês se desfazia em copioso pranto.
Num esforço supremo de mudar a vontade do filho, o Marquês convidou-o e juntos foram ao Padre Aquiles Cagliardi, Superior dos Jesuítas de São Fidelis em Milão. Expôs toda a questão e solicitou ao Reverendo que fizesse um profundo exame no filho, para conhecer se era verdadeira vocação ou insistente vaidade dele. Depois de mais de uma hora de perguntas e respostas de um duelo cerrado no campo da lógica, Padre Gagliardo disse com plena segurança: “Senhor Luís, vos tendes razão. Com absoluta certeza, tudo é assim como dissestes. Impossível a dúvida. Estou edificado e satisfeito com suas palavras”.
Luís saiu exausto da sala, mas consolado e satisfeito. E agora, efetivamente, Dom Fernando estava plenamente convencido de que a vocação do filho vinha de DEUS, e por isso, finalmente concordou.
Luís se alegrou com a manifestação do pai, mas não exultou muito com o acontecimento, pois conhecia bem o gênio paterno e sabia que Dom Fernando posteriormente poderia mudar o seu pensar, como tinha feito em outras vezes. E por isso, continuava rezando e se mortificando fervorosamente, suplicando que DEUS manifestasse visivelmente a Sua Divina Vontade. “Toda a chuva vem do céu; de DEUS vem toda a Graça” (era o pensamento do Luís).
TEMPO PARA PENSAR
E voltando a Castiglione, empreendeu uma severa mortificação, com um forte jejum. Seu estomago já estava irremediavelmente arruinado e sua fraqueza era tão grande que não raro desmaiava. Sua mãe acompanhava tudo e sentia o coração dilacerado, não cessando de verter caudalosas lágrimas. Falava com o marido: “De que vale reter o Luís no palácio? Certamente o havemos de perdê-lo em pouco tempo, por causa de tantas mortificações. Deixemo-lo ir, pois os Superiores da Ordem saberão quais os meios e o caminho para a cura de tais excessos, garantindo-lhe mais um tempo de vida”.
E era a verdade. Não tendo um guia espiritual. Luís se abandonava aos seus ardores amorosos e cometia tais excessos, que o levavam a um lento suicídio.
Dona Marta teve que ir a Turim, ao encontro de Catarina da Espanha, última filha de Felipe II, que ia ser desposada pelo Duque Emanuel de Sabóia. Luís ficou sozinho no palácio com o pai. E na primeira oportunidade, mencionou a promessa feita por Dom Fernando. O pai usando de um terrível estratagema disse que não se lembrava de ter feito a promessa. E os dois argumentaram e conversaram propondo soluções para o assunto. O Marquês não concordava com nada.
Luiz ainda com lágrimas nos olhos e com total humildade, falou para o seu pai que não poderia receber maior castigo do que retardar ainda mais a sua entrada na Ordem Religiosa, mas com o desejo de alcançar o beneplácito paterno, disse que consentia em protelar uma derradeira decisão por dois ou três anos. Porém, com duas condições; primeiro, ele queria passar esses anos em Roma, estudando; segundo, queria que o pai assinasse um documento, comprometendo-se com o Padre Geral da Companhia de JESUS, de dar a ele, Luís, inteira liberdade para o estado religioso.
Dom Fernando irrompeu numa terrível fúria. Fazer pacto com um filho? Jamais faria um pacto neste terreno, foram às palavras dele.
SOLUÇÃO DIFÍCIL E PENOSA
A tristeza do Luís foi tão imensa que ele ficou taciturno, e o pai teve receios do jovem fazer algum excesso. Chamou-o e resolveu aceitar as condições e o prazo de três anos para decidir.
Imediatamente Luís escreveu Ao Padre Geral da Ordem, dando conhecimento do acerto e dizendo também de quanto sofria o seu coração, em face do adiamento da sua entrada na Ordem.
Mas as dificuldades para alojá-lo em Roma eram muitas e nenhuma solução resolveria de modo prático e eficiente a questão. Luís então se trancou no quarto, olhou a imagem de JESUS que estava na parede do quarto, sorriu para ELE e depois pegou a Bíblia e leu: “Pedi e recebereis”. “Buscai, e encontrareis”. Estas palavras eternas penetravam-lhe o coração. Lia mais: “E, se alguém, dentre vós, pedirdes um pão ao próprio pai, porventura ele lhe dará uma pedra? Ou se pedir um peixe, ele lhe dará uma serpente? Se vós, portanto, sendo maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso PAI que está no Céu”!
Ninguém é melhor pai do que DEUS. E Luis esperava daquele incomparável PAI as luzes do bom ESPÍRITO para si, para o seu genitor e para a família. Luís olhou novamente a imagem de JESUS no quadro, levantou-se e caminhou ao encontro de seu pai que se encontrava acamado com uma crise de artrite. Entrou no quarto e com voz firme falou: “Senhor meu pai, ponho-me inteiramente em vossas mãos. Podeis fazer comigo o que vos aprouver. Contudo, repito-vos que me sinto chamado por DEUS à Companhia de JESUS, e que vós, opondo resistência a tal vocação, é a Divina Vontade que vos estais se opondo”.
Dom Fernando voltou-se rapidamente para o lado de aonde veio àquela voz forte, mas quem falou não estava mais ali. O Marquês com prolongados gemidos e profundos lamentos chamou a atenção do servo que vigiava e veio imediatamente, mas Dom Fernando não respondeu, chorava desoladamente. Vieram os familiares e íntimos e vendo o Marques naquele estado, choravam também. E assim depois de bom tempo, quando as palavras e os consolos dos parentes conseguiram acalmar a sua dor, ele suspirou fundo e mandou chamar o seu filho e lhe disse: “Meu filho! Rasgaste uma grande ferida em meu coração, por que eu te amo e sempre te amei como tu mereces. Em ti eu coloquei todas as minhas esperanças, como as da minha Casa. Já, porém, que DEUS te chama como tu dizes, não mais serei teu obstáculo. Vai, pois, para onde te aprouver, que eu te dou a minha bênção”.
Luís, com os olhos inundados de lágrimas, ajoelhou-se ali mesmo, diante do Marquês deitado, com os braços abertos, olhando para JESUS no Crucifixo da cabeceira da cama, murmurou: “Paz! Paz! Paz!” (Como se estivesse dizendo: obrigado DEUS da minha vida)
Poucas horas depois, Castiglione inteiro já estava sabendo que Dom Fernando finalmente permitiu ao seu primogênito se fazer religioso.