HOMEM DE AÇÃO
PRECEPTOR DA FAMÍLIA GONDI
Mas aquela alegria interior no coração do Padre Vicente logo se ocultou, quando Padre Bérulle o chamou para outra missão difícil, importante e insubstituível: ser preceptor na casa do General de Divisão das Galés do Rei, Filipe Emanuel de Gondi. A família dos Gondi era poderosa e rica. Tudo fazia crer, que no futuro, os filhos do General viriam ocupar os mais altos cargos na Igreja e no Estado. Assim sendo, tendo a obrigação de preparar dignamente os rapazes para as prováveis importantes missões no futuro, Padre Vicente estaria realizando um apostolado utilíssimo e de imenso valor.
Sem qualquer reclamação aceitou, e se apresentou a família dos de Gondi. Sempre reservado, discreto e com profunda humildade, cativou desde o inicio a simpatia e o respeito de todos, obtendo uma influência considerável junto aos membros da família. O general de Gondi carinhosamente o considerava como um “Anjo tutelar”, pois ele era também o Diretor Espiritual de todos os membros da família.
As propriedades da família de Gondi eram muito grandes e periodicamente o Padre Vicente e a senhora de Gondi visitavam as famílias que nelas residiam, para conhecer as suas dificuldades e necessidades, objetivando ajudá-los. E desse modo, Padre Vicente percebeu como era necessária a confissão daquelas pessoas. E assim, na Santa Missa dos Domingos, ele fazia uma Confissão Comunitária uma vez por mês. Ao longo dos meses, conseguiu outros Sacerdotes para ajudá-lo na Confissão individual, pois era o seu maior desejo que todos recebesse dignamente JESUS Sacramentado.
Durante mais de quatro anos cuidou de maneira toda especial da família de Gondi. Mas depois ele se afastou porque não queria se acomodar naquele serviço, apesar das sinceras e fraternas amizades dos proprietários. Intimamente desejava fazer mais, ajudar o povo que sofria nas cidades. A senhora de Gondi se multiplicou em pedidos e diligências, para ele voltar e continuar junto dos seus filhos, e inclusive lhe escreveu uma pungente carta. A missiva comoveu Padre Vicente, arrancando-lhe muitas lágrimas. E por isso, rezou durante vários dias, suplicando a Luz de DEUS que lhe indicasse o seu dever naquele caso. Todavia, nada aconteceu que lhe induzisse a voltar no momento, à casa dos de Gondi.
PÁROCO DE CHÂTILLON
Em 1617, foi nomeado pela Diocese e assumiu a Paróquia de Châtillon. E com aquela mesma alegria interior, nas homilias da Santa Missa, com palavras simples e firmes foi atraindo as pessoas e possibilitando uma concreta conversão.
Um domingo, quando se preparava na sacristia para celebrar a Santa Missa, alguns paroquianos vieram lhe comunicar que havia uma família em estado de total aflição, pois o casal estava sem trabalho e com dois filhos menores para sustentar. Durante a homilia Padre Vicente falou sobre o caso da família que estava passando sérias dificuldades e suplicou a compaixão e a boa disposição das pessoas que pudessem ajudá-la. O apelo foi ouvido atenciosamente e grande parte da população no mesmo dia, foi visitar a família necessitada levando-lhes as necessárias provisões.
Diante da generosidade dos paroquianos, Padre Vicente refletiu na importância de estabelecer "Confrarias de Caridade", porque o auxilio aos necessitados não deve acontecer num único dia e depois deixá-los morrer no esquecimento. O auxílio deve ser continuo até o necessitado conseguir se subsistir com sua própria capacidade, fazendo a manutenção da família.
Sem dúvida, foi à Providência Divina que o conduziu a Châtillon, para lhe infundir a idéia das preciosas Obras de Caridade, e que agora, com a inspiração envolvendo o seu coração, abriu integralmente o ideal do Apostolado da Caridade, impulsionando o Padre Vicente por toda a França.
PRECEPTOR PELA SEGUNDA VEZ
E a chamada veio através da Senhora de Gondi, que não desistia de suplicar o retorno do Padre Vicente para cuidar dos seus filhos. E o Bispo Bérulle que também era o Diretor Espiritual dele, e que ela conquistara para a sua causa, intercedeu outra vez e novamente Padre Vicente foi trabalhar na família dos de Gondi.
Esta segunda permanência durou oito anos. Só que agora, a instrução dos meninos já estava destinada as Faculdades e orientações paternas e maternas de conformidade com o ideal escolhido pelos pais. Padre Vicente passou somente a vigiar a educação vivencial e espiritual. Então teve a oportunidade de se consagrar com a necessária liberdade, ao Apostolado da Caridade, que ele tanto desejava.
Assim criou a sua primeira Confraria denominada “Damas da Caridade”, em Agosto de 1617, hoje conhecida pelo nome de ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE CARIDADE (AIC). A primeira Irmã de Caridade foi uma camponesa de nome Margarida Nasseau, que foi orientada e preparada pela Senhora Luísa de Marillac (que se tornou Santa), e que mais tarde Irmã Luísa fundou uma Confraria de Irmãs da Caridade, que são as atuais “Filhas da Caridade”. Padre Vicente também foi o responsável pela organização de retiros espirituais para leigos e sacerdotes, através das famosas conferências das terças-feiras. (Confraria de Caridade para homens)
ÉPOCA MUITO DIFÍCIL
Eram tempos agitados, com sérias perturbações religiosas, com a Guerra dos Trinta Anos fruto de uma abominável disputa entre protestantes e católicos na Alemanha, que na continuidade se tornou uma luta sangrenta entre a França e a Áustria; a falta de melhor preparo do clero francês para socorrer os necessitados, permitia que os pobres perambulassem por todos os lados sem recursos e sem trabalho. No mar, no litoral francês, os piratas turcos e muçulmanos continuavam a atacar todos os tipos de embarcações, saqueando, e se apoderando das cargas e de todos os bens, levando a tripulação e os passageiros para prisões na África, onde eram condenados a trabalhar em serviços forçados, e a maior parte não resistia, agonizava e morria. Este era o triste panorama da Europa quando Vicente de Paula decidiu arregaçar as mangas e trabalhar construtivamente, para afastar o mal e ajudar a todos os necessitados. Muito embora fosse humilde, sem recursos financeiros disponíveis, contava primordialmente com o precioso auxílio da Providência Divina, que sempre estava presente na sua vida.
AMOR E FRATERNIDADE A SERVIÇO DOS POBRES
Com inteligência, buscou atuar, conversar e atrair a classe mais aristocrática da época, apelando para o sentimento cristão das famílias, argumentando e realçando que o exercício da piedade e da caridade proporcionada a um necessitado funcionava como um forte e verdadeiro lenitivo, representando de certo modo, a mesma boa ação que na época difícil de JESUS, alguns fiéis com muito carinho e ardente amor, procuravam um meio de aliviar e de mitigar aquelas terríveis dores e angústias causadas pelos sofrimentos do SENHOR, mesmo que furtivamente, ao longo da Sua impiedosa flagelação. E assim procedendo, Vicente conseguiu reunir pessoas de boa vontade, que atraídas por suas palavras incandescentes e cheias de amor, logo se colocavam a serviço dos pobres. Então se podia ver, a mais alta aristocracia, dirigida e orientada por ele, as senhoras da sociedade francesa cuidando dos enfermos e necessitados, com empenho, disponibilidade e, sobretudo, com uma imensa dose de amor fraterno. Assim, os seus objetivos iam se concretizando, ao observar que a Confraria da Caridade, em plena atividade, dava assistência a todas as pessoas que necessitavam, inclusive aos camponeses e ao povo pobre do interior.
Em 8 de Dezembro de 1617 criou em Paris as “Confrarias da Caridade” que era frequentada por pessoas da alta sociedade. No inicio, as senhoras se limitavam a visitar os indigentes, mas na continuidade, incentivadas e orientadas por ele, elas se incumbiram dos hospícios, das crianças abandonadas, dos prisioneiros, dos condenados às galés, etc.
Às vezes ocorria que uma destas senhoras não podia fazer uma visita programada, então se fazia representar por um criado. Padre Vicente achou melhor arranjar suplentes. A princípio eram moças piedosas, vindas das aldeias, que ele havia formado cuidadosamente. Todavia o número delas aumentou tanto, que foram reunidas em Comunidade sob a direção de Luisa de Marillac, com o nome de “Comunidade Mademoiselle Le Gras”, também denominadas “Confraria das Irmãs da Caridade”, atuais “Filhas da Caridade”. A Comunidade cresceu tanto, que se transformou em outra Congregação fundada por ele.
INTENSIFICOU AS OBRAS DE CARIDADE
Havendo muitos pobres e necessitados, a necessidade de auxílio sendo muito grande, Padre Vicente mesmo realizando um intensivo atendimento, tratou também de organizar as Obras de Caridade, criando métodos e uma disciplina toda estabelecida para o empreendimento.
Assim, fundou as “Confrarias da Caridade” em outros locais, criando núcleos em Villepreux, Folleville, Joigny, Bourg, Trévoux, Mâcon, Châlon.
A Piedade que é irmã gêmea da Caridade, também estava viva e acesa no coração de Padre Vicente, e ele se desdobrava, o seu amor crescia e se inflamava, quando buscava atender os necessitados.
Por outro lado, a Senhora de Gondi, que já havia projetado realizar missões no imenso território da sua família, deixou a disposição do Padre Vicente dezesseis mil libras, com o objetivo de ajudar nas missões nos seus domínios. Estas missões ocupariam um longo tempo e contariam naturalmente, com o auxilio de outros sacerdotes, com o objetivo de atender as necessidades espirituais de todo o povo. E como se tratava de um grande empreendimento, a este valor financeiro, o General de Gondi acrescentou mais quarenta e cinco mil libras para as mencionadas missões, e o seu irmão, Monsenhor de Gondi, Arcebispo de Paris, cedeu aos missionários o antigo “Collège des Bonnes Enfants” (COLÉGIO DOS BONS MENINOS), que estava vazio, a fim de que nele fosse estabelecido o local de apoio e de repouso da equipe missionária.
COLÉGIO DOS BONS MENINOS
Padre Vicente, com cinquenta anos de idade, foi se juntar a sua equipe e ao seu mais amado e querido discípulo Padre Portail, no “Collège des Bonnes Enfants”. A Providência Divina conduziu o seu humilde sacerdote ao local adequado, a fim de derramar e distribuir para todos os corações, os tesouros da bondade e das graças que o SENHOR DEUS havia acumulado no seu coração.
Ele convidou alguns sacerdotes para ajudá-lo nas pregações. E o número de Padres foi aumentando lentamente, mas de maneira tão constante e agradável, que em pouco tempo, a sua Comunidade cresceu e com o auxílio da senhora de Gondi, fundou a “CONGREGAÇÃO DA MISSÃO”, em 17 de Abril de 1625, formando e ordenando os denominados Padres Lazaristas ou Padres Vicentinos, primordialmente destinados a evangelização dos camponeses e do povo pobre do interior. E então o calendário de compromissos do Padre Vicente já com múltiplas anotações aumentou de maneira notável.
Dois meses depois, em Junho de 1625, faleceu piedosamente a Senhora de Gondi, assistida pelo Padre Vicente, que lhe ministrou os Sacramentos da Extrema Unção e o Sagrado Viático.
Em 1628, o Bispo de Beauvais, Monsenhor Potier, o convidou a dirigir um retiro aos seminaristas que estavam para ser ordenados na sua Diocese. E assim, diversos outros Bispos franceses seguiram o mesmo exemplo, com o objetivo primordial de infundir nos seminaristas, a beleza, a força e a grandeza da santidade.
Quanto a legalização oficial da Congregação da Missão, considerando as muitas dificuldades daquela época, demorou um tempo razoável de quase 8 anos, ou seja, até o dia 12 de janeiro de 1633, quando então, foi reconhecida e recebeu a Bula de autorização oficial do Papa Urbano VIII.
AUXILIANDO OS PRISIONEIROS DAS GALÉS
O General de Gondi, a quem Padre Vicente continuava a ajudar os filhos, pediu e conseguiu do Rei Luis XIII, que criasse para o Padre o cargo especial de Capelão Geral das Galés, reconhecendo a sua piedade heróica e decidida. E logo, o Padre Vicente começou a visitar todas as prisões de trabalhos forçados, sendo assistido por mais de 20 religiosos, sob o patrocínio do Cardeal Sourdis, Arcebispo de Bordeaux, alcançando resultados magníficos, principalmente no campo da conversão espiritual.
A sensibilidade do Padre Vicente era imensa, ficava comovido e seu coração pulsava fortemente sempre que via os condenados às galés reunidos em Paris, antes de serem embarcados para os trabalhos forçados em qualquer lugar. Ele os visitava na prisão levando-lhes palavras de amor e de bondade, sobretudo, consolando-os e lhes infundindo fervorosos sentimentos cristãos. E assim, impulsionado pelo seu imenso amor a DEUS, conseguiu montar um Hospital, com a finalidade de receber aqueles prisioneiros cuja saúde exigia auxílio e cuidados. Sua obra não ficou oculta, o povo, os criminosos, e todos souberam daquele fato que acontecia de maneira admirável, e então, eles puderam ver aquela escória humana sofrer uma visível e impressionante transformação em Paris, constatando com alegria e prazer, que muitos se converteram e passaram a cultivar certo respeito, viver em harmonia e procurar a oração.
CONGREGAÇÃO DA MISSÃO, OS LAZARISTAS
Quando a Missão do Padre Vicente transladou o seu domicilio para o Bairro de São Lázaro, Monsenhor de Gondi reconhecendo a imensa santidade do Padre Vicente, impôs-lhe a obrigação de receber quatro vezes ao ano os jovens eclesiásticos da capital, a fim de prepará-los para os exercícios espirituais antes de receberem o Sacramento da Ordem.
Muitos daqueles que lá chegavam para cumprir a ordem do Monsenhor quiseram permanecer sob a direção do Padre Vicente. Suplicaram-lhe que os reunisse uma vez por semana; e assim foi aumentada as famosas “reuniões das terças-feiras”.
SERVINDO AO REI DA FRANÇA
Com estas e outras obras, Padre Vicente permanecia em tanta evidência, que o Rei Luis XIII no leito de morte mandou chamá-lo para assisti-lo, quis passar os últimos momentos da sua vida ao lado de um homem de valor, a serviço de DEUS. Também falou com sua esposa Ana d’Áustria, que o colocasse no famoso “Conselho de Consciência do Rei”.
Contudo, depois de alguns meses de atuação, o Cardeal Mazzarino que também coordenava a política do império, em face das necessidades da sua política, decidiu suprimir o Conselho.