EXPERIÊNCIA AMARGA
HISTORIA
Portugal, seguindo os seus planos de expansão, ocupou a cidade africana de Ceuta e lá estabeleceu poderosas fortificações. O objetivo do Rei dom Afonso Duarte era proteger o país contra invasões piratas e também, contra os inimigos da nação portuguesa.
Em 1415, por ordem do Rei, aportou Ceuta, o navio com Dom Rui Gomes da Silva e Dom Pedro de Menezes, que eram pessoas de extrema confiança do monarca, para organizar e administrar a cidade de conformidade com a autoridade real. E com esta finalidade, Dom Pedro de Menezes foi escolhido governador da cidade.
Ao longo dos exaustivos trabalhos que requeriam empenho, comando e dedicação, a bravura admirável de Dom Rui Gomes da Silva, revelou um precioso e insubstituível auxílio administrativo, que não só consolidou a sua amizade com Dom Pedro, como despertou no governador uma imensa simpatia e reconhecimento, que inclusive, o levou a oferecer a Dom Rui a sua filha Isabel em casamento.
Nesta fase inicial do desbravamento e organização a filha de Dom Pedro, como outros familiares permaneceram em Portugal.
E assim, passado aqueles primeiros tempos de grande trabalho, os familiares de Dom Pedro de Menezes se estabeleceram em Ceuta. Nesta oportunidade, Dom Rui Gomes casou-se com Isabel filha do governador em 1422 e lá viveram até 1433/34.
O casal Rui e Isabel teve 11 filhos, e Beatriz foi à segunda criança, nascida no ano de 1424.
Um dos irmãos de Beatriz, Amadeu da Silva e Menezes, também seguiu a vida religiosa e foi ordenado sacerdote em 1449, na Ordem Franciscana. Foi um santo homem, religioso de admirável valor. Morreu em odor de santidade.
Os pais de Beatriz voltaram para Portugal em 1433/34 e se estabeleceram em Campo Maior, onde os seus parentes já se encontravam radicalizados. Ela estava com 9 anos de idade, vivendo junto a família, na tranquilidade e na simplicidade de um bom lar cristão.
Já acostumado com as organizações do Governo, seu pai, Dom Rui Gomes da Silva, foi nomeado por Dom Duarte, Rei de Portugal, alcaide (espécie de prefeito) da cidade de Campo Maior.
Pertencendo a nobreza, Beatriz teve uma esmerada educação, bem orientada por sua mãe e principalmente acompanhada por uma vigorosa e eficiente instrução religiosa. Assim, desde a infância, teve a influência dos franciscanos, que lhe infundiram ao lado de uma sólida piedade, a ternura e a grandeza de um profundo amor a MARIA SANTÍSSIMA.
Na verdade, por onde passavam os franciscanos sempre deixavam uma incandescente e apaixonada devoção a VIRGEM MARIA IMACULADA, isto vários séculos antes da Igreja proclamar o dogma da IMACULADA CONCEIÇÃO DE MARIA. E por isso mesmo, dos franciscanos, Beatriz aprendeu absorvendo com alegria, o seu entusiasmo e o seu imenso amor pela VIRGEM IMACULADA.
Por outro lado, Beatriz sempre exibiu uma face descontraída e tranquila, desde criança os seus traços fisionômicos eram delicados e suaves, mostrando uma cativante e formosa beleza, que encantava a todos que tinham a oportunidade de contemplá-la.
NA CORTE DE CASTELA (ESPANHA)
A adolescência de Beatriz, da mesma maneira que a infância transcorreu na normalidade acolhedora de um sadio ambiente familiar. Todavia, com a idade de 23 anos, ocorreu um fato surpreendente que alterou completamente o rumo da sua existência.
Corria o ano de 1447, quando a Infanta de Portugal, D. Isabel, decidiu desposar o Rei viúvo de Castela, Dom João. Sendo Dona Isabel parenta da família de Beatriz, na viagem nupcial de Portugal para a Espanha, propositalmente definiu o seu roteiro passando por Campo Maior, com o objetivo de visitar a família de Dom Rui Gomes da Silva, seu parente. E vendo Beatriz, encantou-se com seus dotes físicos e suas preciosas prendas morais. Resolveu escolhe-la como sua primeira dama de honra.
Com o consentimento de seus pais, Beatriz deixou Campo Maior, suas amizades, o precioso aconchego da sua família, aceitando o convite e seguindo em companhia de Dona Isabel e sua comitiva, rumo a cidade de Tordesilhas, na Espanha, onde residia a corte de Castela. Foi sem dúvida, uma troca violenta para uma jovem de 23 anos de idade. Lá indubitavelmente encontrou novas circunstâncias, amizades novas, outras responsabilidades, costumes diferentes e muitos desafios.
A corte, em qualquer país, sempre foi um local de pleno exibicionismo, onde existe o luxo e a vaidade, os ciúmes e as frivolidades, riquezas e prazeres que se juntam às intrigas e as rivalidades, as ambições de alcançar prestígio e a ganância de usufruir vantagens e lucros, e onde também se formam os partidos e as facções conduzidos pela aparente simpatia pessoal e outros requisitos, e onde também, se cultiva a falsidade para agradar e aos modismos para aparecer mais.
E foi justamente neste ambiente fútil e leviano repleto de ambições e ilusões que Beatriz mergulhou, quando se tornou a primeira dama da Infanta Dona Isabel. Ali, a jovem inexperiente foi introduzida de modo inesperado e ligeiro, naquele movimentado quotidiano, sem qualquer aviso ou transição e sem nenhuma adaptação ou preparação inicial. Tanto a sua educação quanto os seus sonhos sem qualquer dúvida, estavam preparados e orientados para outro gênero de vida, com um viver calmo discreto e tranquilo, completamente distante da realidade que estava enfrentando no presente.
E verdadeiramente, na vida de todos nós, toda cuidadosa preparação desde a infância e juventude, constitui uma reserva preciosa e de valor inestimável que nunca se perde. Esta verdade também influiu no caso dela. Agora, vivendo neste outro ambiente, totalmente agressivo aos seus costumes e hábitos, completamente diferente daquela preparação que recebeu no aconchego do lar paterno, aquela instrução ia lhe servir de escudo e proteção. E a luta empreendida por Beatriz foi monstruosa e titânica, por que desenvolvida num ambiente de traição e grande corrupção.
Ela descendia da alta nobreza, além de ser uma jovem muito graciosa, de beleza inigualável que superava a todas as suas companheiras em formosura e graça. E por isso mesmo, a sua figura singular, com sua beleza e virtudes, brilhavam intensamente na corte de Tordesilhas, de forma tão luminosa, que até ela mesma procurava se ocultar, por que não buscava de maneira nenhuma a evidência e o destaque na corte, que involuntariamente aconteciam.
O TERRÍVEL CIÚME DA RAINHA
E por incrível que possa parecer, os seus inumeráveis e graciosos predicados, incidiram violentamente no caminho da sua própria existência, despertando em muitos, a inveja, o desejo de perseguição, o menosprezo, a terrível calúnia e até os ciúmes da própria Rainha, um ciúme forte e de tal ordem, que cresceu a valores impressionantes, chegando a se transformar em ódio doentio, que inclusive levou a Rainha Isabel arquitetar um projeto diabólico, para eliminar a suposta rival imaginando que a primeira dama Beatriz, sua parenta, estivesse conquistando o seu esposo, o Rei João de Castela.
E assim, vendo em Beatriz uma perigosa rival que podia lhe usurpar a coroa, decidiu eliminá-la de uma vez, fazendo-a desaparecer da corte.
O que na realidade ocorria, tratava-se de uma admiração pura e inocente do Rei pela primeira dama, pois ele se sentia bem em conversar com ela, em meio a tanta falsidade e hipocrisia que circulava na corte. Porque Beatriz era simples, sincera, e essencialmente se manifestava falando a verdade. Desse modo, o Rei ao trocar idéias com ela, via um coração reto em quem ele podia confiar, sem o mercantilismo das afeições palacianas, sempre eivadas de interesses e de segundas intenções. A Rainha, todavia, não pensava assim, o ciúme que nasceu e cresceu violentamente no seu coração, encheu-lhe a cabeça de idéias absurdas, que na realidade não existiam e não faziam o menor sentido, em face do comportamento ilibado da primeira dama que era totalmente fiel aos seus princípios cristãos.
Mas, com seu terrível projeto elaborado e preparado, certa noite, a Rainha Isabel convidou a jovem primeira dama para que lhe seguisse a um determinado lugar no palácio. E lá foi Beatriz na sua total ingenuidade, sem suspeitar de nada. Atravessaram as longas galerias mal iluminadas, em cujos muros desenhavam-se os seus vultos, à medida que caminhavam. Chegaram a um quarto com portas robustas e pesadas. Entraram. Havia ali uma maciça arca de madeira, espécie de um cofre, com reforços metálicos, que lhe davam plena segurança. A Rainha levantou com dificuldade a tampa e deu a estranha ordem a Beatriz, mandando que ela entrasse na arca.
De início, ela estranhou e relutou, mas ante a insistência da Rainha e as razões que a soberana expôs, começou a tremer e a protestar. Tentou argumentar, mostrando a sua inocência e o equívoco da Rainha, que estava dando atenção aos mexericos da corte e cultivando um ciúme sem motivo, por que ela, a primeira dama, lhe era fiel em tudo, não dando atenção a galanteios e nem a promessas de ninguém. Mas o ciúme da Rainha já havia alcançado as alturas do ódio, e o ódio é cego.
Não restou a Beatriz outra alternativa que aceitar e se deitar naquela urna. Imediatamente sobre ela fechou a pesada tampa e rangeu a chave, dando duas voltas. Assim, ela foi sepultada viva naquela reforçada urna guardada no mais distante cômodo do palácio. As trevas eram as suas companheiras e o desespero ameaçou tomar lugar no seu coração, pois logo compreendeu que ali estava condenada a morrer asfixiada. A situação era dramática, por que ela sabia, que naquele local jamais seria encontrada por alguém, e embora fosse completamente inocente aquela urna representava a sua sepultura. Beatriz acabava de ser enterrada viva.
Não podendo esperar nenhuma ajuda da Terra, olhou para o Céu. NOSSO SENHOR e a VIRGEM MARIA já conheciam bem os seus passos e somente ELES poderiam decidir sobre a sua vida. Rezou e prometeu guardar perpétua virgindade, se com vida saísse daquele tenebroso cárcere. Depois de um pequeno intervalo de tempo, Beatriz sentiu-se envolvida numa suavíssima luz. E no meio daquela luminosidade, vislumbrou a presença de MARIA SANTÍSSIMA. Ela estava linda vestida de branco, coberta com um manto azul e sorria carinhosamente, numa atitude animadora e cheia de vida. Em seus braços trazia o MENINO JESUS segurando uma lança que feria a cabeça de um terrível dragão, lembrando uma passagem do Apocalipse que ela ouviu dos Padres Franciscanos em Campo Maior, que lhe dava a certeza da vida.
Desta experiência mística, ficou-lhe uma prodigiosa inspiração, que a Luz Divina derramou em seu espírito e colocou na sua mente: “Deveria fundar uma Ordem Religiosa com a finalidade de glorificar a IMACULADA CONCEIÇÃO DA MÃE DE DEUS. Os membros da Ordem usariam vestes semelhantes às que a VIRGEM trajava naquela visão e assim, Beatriz seria a mãe de falanges de virgens de hábito branco com um manto azul. Ela, então, no mesmo momento, ofereceu sua virgindade à VIRGEM e ao MENINO, que silenciosos, mas sorridentes, aceitavam a generosidade de Beatriz”.
Ela permaneceu encerrada no escuro caixão, sem água e alimento. A corte, logo notou sua ausência, que marcava com uma presença viva e luminosa no ambiente social do palácio. E muitos, que já sabiam dos ciúmes da Rainha, ficaram preocupados com o destino da primeira dama, considerando que a poderosa Rainha, sabia arquitetar planos sinistros. E assim, embora tivessem receios de enfrentarem a Rainha irritada, a inquietação crescia e tomava corpo.
SUA INOCÊNCIA É PROVADA
O tio de Beatriz que também frequentava a corte, depois de três dias de inútil espera, encheu-se de coragem e exigiu uma explicação da Rainha. Queria saber o paradeiro da sobrinha. A Rainha com todo sangue frio e perfeitamente dona de si, pois tinha a certeza de que naquela altura dos acontecimentos, sem comida, sem água e sem ar, a jovem já estivesse morta, caminhou até o local onde a havia colocado numa urna.
Surpresa impressionante! Ao abrir a urna, em lugar de um cadáver frio e lívido, em decomposição, estava Beatriz sorridente, em plena juventude, cheia de vida, parecia ainda mais bela e muito mais saudável.
A Rainha custou a entender a situação. O que teria se passado no mistério do cofre? A inocência de Beatriz ali estava visível, comprovada no esplendor de uma donzela que havia superado a morte. Mas isto é impossível! Sim isto é um milagre! Entre atônita e apavorada não pode conter as lágrimas que lhe encheram os olhos, enquanto Beatriz saía daquela urna. Lançou-se, então, aos pés de Beatriz, abraçou-lhe os joelhos e pediu-lhe perdão. A resposta da jovem foi um abraço carinhoso e fraterno que fez a Rainha levantar-se do solo e permanecer unida e abraçada a sua primeira dama, num longo e apertado amplexo. A Rainha reconheceu acima de tudo, que ali estava expressa a Vontade de DEUS em provar a inocência de Beatriz.