“ARMADILHAS DO MALIGNO”
NASCIMENTO E FAMÍLIA
Josefina nasceu numa aldeia de Darfur, chamada Olgossa, perto do Monte Agilerei, no Sudão Ocidental, na África, no ano de 1869. Seus pais carinhosamente criaram uma bela família, formada por três rapazes e três meninas, sendo que duas das meninas eram gêmeas. Era uma família unida por um grande amor filial que exercitava uma preciosa solidariedade. Eles pertenciam à tribo Dagiú e por isso mesmo, revelavam as boas qualidades que tradicionalmente as pessoas cultivavam, sendo pacíficas e muito trabalhadoras.
Possuíam também uma razoável situação econômico-financeira, que lhes possibilitaram adquirir um belo terreno com ótimas dimensões, onde cultivavam várias plantações e inúmeras cabeças de gado. Essas condições permitiam que a família vivesse em plena harmonia e eram muito felizes. E assim desfrutavam de todos os seus bens até o dia em que a filha mais velha foi raptada por estrangeiros armados e muito fortes, e foi vendida no Mercado de Escravos, causando uma abominável tristeza em todos os membros.
O RAPTO
Tempos depois ela ainda criança com sete anos de idade e brincando com seus irmãos nos arredores da residência, ouviu um terrível grito... Cheias de medo, as crianças correram em direção ao lar gritando: “São os negreiros! Os negreiros!” Ao mesmo tempo em que cada uma buscava se esconder daqueles homens ladrões, terríveis e ferozes, que rápidos como raios, acabaram caindo sobre ela, menina frágil, praticamente sem defesa, e então, eles amarraram os seus pulsos atrás das costas e rapidamente a levaram mata adentro, conforme procederam com outras jovens e rapazes, surpreendidos nas casas e nos campos vizinhos. Josefina amargava a mesma experiência da sua irmã, que há dois anos passados tinha sido raptada e nunca mais tiveram noticias dela.
O CALVÁRIO DE BAKHITA
A partir deste dia, iniciava-se o calvário desta pobre menina, que arrancada de sua família ia sentir em sua própria carne o quão abominável e cruel pode chegar o ser humano. Seus pais e irmãos choraram muito, fizeram o possível e o impossível para recuperar a filha e irmã, mas não tiveram chance. Ela desapareceu sem que alguém visse ou tivesse noticias. Também a criança foi envolvida por uma imensa tristeza que apertava o seu coração, deixando-a triste e angustiada. No período de 1876 a 1882, ela foi raptada e vendida por três vezes, por bandidos espertos e maldosos. O segundo bandido que a raptou, observando que ela nem se lembrava do próprio nome, provavelmente por temor ou descontrole nervoso, conversando com seus comparsas escolheram um nome para ela. “Que nome dar a esta graciosa menina?” Um deles logo propôs: “Bakhita é um nome bonito e lhe trará fortuna”. No idioma sudanês significava “afortunada”. Num canto de uma sala suja e maltratada, ela e outra criança choravam desesperadas, rezando e implorando piedade. No amanhecer, os dois homens a levaram para uma aldeia e a jogaram numa alcova cheia de arreios e diversas coisas quebradas. Fato que anos mais tarde, Josefina escreveu no seu diário: “O que eu sofri naquela espelunca, não é possível dizer com palavras... Lembro-me ainda daquelas horas angustiantes quando cansada de tanto chorar, caia sem forças no chão, enquanto a minha fantasia interior me transportava para bem longe, reavivando-me uma imensa saudade, por não me encontrar junto dos meus queridos e amados pais e irmãos”.
Depois de um mês sofrendo jogada em um lugar escuro, sem ar e luz, ela foi vendida novamente a um profissional escravocrata, que estava numa caravana que passava naquele momento; os escravos eram amarrados de dois em dois, ou três em três, com correntes e argolas de ferro, que provocavam feridas sangrentas principalmente ao redor do pescoço. O medo daqueles escravos era muito grande, porque na verdade o sofrimento era muito maior do que se imaginava. Depois de oito dias de viagem chegaram a um lugar onde se praticava barbaridades com os escravos. Aqueles que suportavam e não morriam eram vendidos pelo dobro do preço. Todavia no meio de muita confusão, passou numa charrete outro mercador de escravos. Ele parou e fez negócios com o negociante local. Ela foi vendida novamente com uma amiga, e foram transportadas e colocadas numa pequena e estreita cabana, onde permaneceram jogadas ao chão, bem acorrentadas. Em desespero, as duas jovens planejaram fugir. Sempre relembrando a sua família, Bakhita chorava com muita tristeza.
Certo dia o patrão mandou as meninas debulhar os milhos, e para poderem trabalhar normalmente, retiraram as correntes das duas. Quando acabaram de debulhar, aproveitando uma oportunidade que o patrão havia se afastado, elas fugiram em desespero, correndo pela floresta enfrentando animais perigosos e quase foram devoradas por um leão. Bakhita, muito esperta, subiu numa árvore e alçou à amiga, escapando da terrível fera que ainda permaneceu no local por longo tempo. E assim conseguiram escapar da morte e prosseguiram viagem. Mas infelizmente, foram pegas num percurso escuro e perigoso por um homem que surgiu nas matas repentinamente e agarrou-as com toda violência e as fez escravas dele, jogando-as atrás de uma casa velha que cheirava mal, amarrando os pés das jovens. Ele dizia que as levaria para a sua casa, a fim delas conhecerem os seus pais. Inocentemente as pobres crianças acreditaram. Ficaram dias nesse local quando de repente, passou um comerciante e comprou as duas jovens. Esse novo comerciante as levou para longe onde se juntaram a uma caravana, que se dirigia para um Centro de Recolhimento de escravos denominado: “El Obeid”.
Nesse imenso campo aberto, esse novo patrão fazia um espetáculo, expunha os escravos à venda e começava a perguntar quem dá mais? Quem dá mais? E quem dava mais levava o mais forte e até o mais bonito. Quando chegou a vez da pequena Bakhita, aproximou-se um Senhor distinto e fez a compra, levando as duas jovens em viagem para bem longe.
CRESCEU SEM CONHECER DEUS
E assim o tempo ia passando. Bakhita cresceu sem conhecer DEUS, mas tinha uma convicção interior de que ELE existia, porque em muitas oportunidades, sem saber como, ela se sentia protegida por um Ser Superior. Ela olhava o sol e se deslumbrava com o amanhecer, com aquele calor agradável, aquela luz forte que infundia a vida. Em seu coração formou-se uma sólida convicção, de que mais bela do que aquela visão devia ser O Poderoso que criou tudo aquilo. E então ficava imaginando:“Quem seria o Patrão dessas coisas tão belas?” E sentia uma vontade imensa de vê-lo, de conhecê-lo, para poder lhe prestar uma carinhosa homenagem.
Mas a realidade estava sempre presente. Ela foi vendida várias vezes e condenada à escravidão. Foi torturada, marcada com ferro e riscada com a lâmina de uma navalha; passou sede e fome, foi presa a correntes, esteve exposta a todo tipo de perversidade, mas carregava dentro de si uma luz forte, que alimentava uma poderosa fé, que não sabia de onde vinha e nem como denominá-la, mas que lhe dava uma profunda e clara certeza, de que havia alguém maior, um todo poderoso que criou tudo o que existe, e que possuía um poder tão imenso, que de tão grande, tornava-se impossível para ela imaginar.
Tantos foram os seus sofrimentos que até se esqueceu do seu próprio nome. Posteriormente como já mencionamos, quando lhe colocaram o nome de Bakhita, que significa “afortunada” ela não chegou nem a compreender o significado deste nome, porque na verdade, a sua vida estava recheada de tantos infortúnios e tristezas.
UMA ESPERANÇA
Em companhia do novo dono, Bakhita chegou a uma mansão onde encontrou duas criancinhas que logo simpatizaram com ela e diziam: ela bonita, muito bonita. E Bakhita por sua vez, com muita simpatia falava para as meninas: Vocês duas é que são bonitas! E assim ficou a serviço dessa casa. Boa parte do dia Bakhita ficava a disposição das meninas. Permanecia de cócoras junto do sofá, abanando com um grande leque o rosto das duas patroazinhas que gostavam dela, e assim, como era natural, Bakhita sentia prazer e procurava corresponder à simpatia das meninas buscando proporcionar-lhes a boa comodidade que deviam ter, refrescando-as com o movimento do seu leque.
Um dia Bakhita recebeu uma ordem do filho do patrão:“Traga-me aquele vaso que está no saguão”. Era um vaso grande e muito pesado. Ela estava com medo de segurar o vaso, por causa do grande peso dele. Mas com o maior esforço conseguiu levantá-lo e dar os primeiros passos. Logo tropeçou e o grande vaso caiu de suas mãos, quebrando ao cair no chão. Desesperada de pavor e medo suplicou o perdão de seu patrão. Mas logo de inicio, como terrível resposta do homem, recebeu um forte castigo representado por diversas chicotadas e um firme pontapé que a deixou desfalecida.
Imaginem a rudeza do homem e sua abominável ignorância que de tão grande, poderia deixá-la inutilizada... Mas isso não aconteceu, ela sobreviveu mais uma vez, e novamente foi vendida para outra família.
Todavia, a “terrível esposa”de seu novo patrão era muito perversa, era uma mulher verdadeiramente má, que controlava tudo. Todas as coisas eram vigiadas por ela, inclusive os escravos que trabalhavam na casa, conforme ela mesma gostava de explicar.
Com gritos ela exigia dos escravos:“Quero ser sempre bem perfumada e, por favor, não fiquem cansadas de me abanar, pois não suporto o calor, também quero ser bem abanada”.
Tempos depois Bakhita e as outras escravas comentavam:“Ai de nós, se por engano ou por causa do sono, tocasse num só fio dos cabelos dela... As chicotadas iam cair sobre nós sem piedade”. Pois não havia descanso para elas em nenhum momento. E assim, confirmou Bakhita: “Durante três anos que estive ao serviço dela, não me lembro de haver passado um dia sem feridas em alguma parte do corpo.”