EXPERIÊNCIA POLÍTICA
O PROBLEMA JUDEU
O Cardeal Pedro Luna foi a Valência para se encontrar com Frei Vicente, contando com sua ajuda para solucionar o problema do “Cisma”. Todavia, na época em que chegou, o Dominicano tentava resolver o problema judeu, outro sério problema na região. Os judeus não eram bem vistos pelo povo, não só por causa da religião, como também pelo espírito de usura.
Por ocasião do Domingo de Ramos de 1407, ele foi convidado a fazer a pregação na igreja de Ecija, Espanha. Era grande a multidão e no meio havia uma mulher judia muito rica, que assistia a cerimônia religiosa por mera curiosidade, e com muita indiferença ouviu o sermão de Frei Vicente. Ali mesmo, dentro da Igreja, ao invés de se manter com dignidade, ficou criticando com sarcasmo e desprezo as palavras que o celebrante proferia. Por fim, ela se levantou e atravessou a Igreja no meio do povo para sair. Estava claramente entediada e não se conteve esperar o final da Santa Missa. Todos os presentes ficaram espantados e indignados. Mas Frei Vicente observando disse tranquilo: "Deixai-a sair, porém afastai-vos do pórtico". O povo obedeceu. Quando a mulher passou sob o pórtico de entrada da Igreja, este desabou sobre ela, e a matou. Inerte e sem os batimentos cardíacos, esticada no chão, as testemunhas puderam verificar e atestar a sua morte. Frei Vicente caminhou até o corpo da mulher e ordenou com voz forte e poderosa: "Mulher, em nome de JESUS CRISTO, volte à vida!" E a mulher ressuscitou. Todos ficaram maravilhados, e a senhora se converteu ao catolicismo. Anualmente, como lembrança deste singular acontecimento em Ecija, a Diocese local realiza uma procissão comemorativa do extraordinário fato.
Em Valência, os judeus viviam unidos, num conjunto de residências cercado com muros, e como sabiam estabelecer boas relações pessoais, se infiltraram em todos os setores da região: no cultural, espiritual, comercial e financeiro. Acontece que o povo não concordou com aquela situação e acabou se revoltando contra eles, principalmente contra a crescente expansão judaica. Um grupo de homens mais exaltados invadiram as casas, destruíram o que puderam e mataram muita gente. Quando Frei Vicente Ferrer soube do fato e chegou para impor a paz, a destruição era muito grande. Mesmo assim, trabalhou ativamente dos dois lados, porque queria uma paz verdadeira e duradoura para todos. E de tanto pregar e argumentar com os judeus de Valência, usando da sua admirável e impressionante oratória, com prodigiosa eloquência e inflamada paixão fez com que grande número de judeus se convertesse ao cristianismo.
O Papa Bento XIII, sabendo destes acontecimentos e de conformidade com a idéia do Rei de Aragão, decidiu convocar rabinos para diversas conferências em Tortosa, onde de espírito aberto e tranquilo, mestres cristãos e judeus, discutiriam as suas diferenças religiosas.
Frei Vicente tomou parte ativa e ele mesmo, colaborou na composição de um tratado “Adversus Judaeos”, que versa acerca da vinda do Messias e da divindade de NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, tema que habitualmente pregava nos seus sermões.
Compareceu quatorze dos mais doutos rabinos de Aragão e uma infinidade de representantes da comunidade judaica. O forte da discussão por parte dos cristãos repousou em Jerônimo de Santa Fé, que era um rabino convertido pelo valenciano Frei Vicente, o qual, por ter profundos conhecimentos do Talmud, era o mais indicado para dissipar os erros contidos naquele livro. Sua eloquência e a força do raciocínio surpreenderam os rabinos ali presentes, que ao fim de vários encontros de discussão começaram a vacilar, sentindo nascerem dúvidas em seus corações na medida em que se aferrava o debate. E no final dos dias de conferências, respeitosamente JESUS, o FILHO DE DEUS, Salvador da humanidade de todas as gerações, foi reverenciado por todos, inclusive pelos rabinos. Um grande sinal de conversão brilhou nos corações.
O PRESTÍGIO DO FREI
Por outro lado, no cenário internacional, a política religiosa continuava inalterada. Com problemas de saúde, no ano 1389 faleceu em Roma o Papa Urbano VI, e logo, os Cardeais que o apoiavam elegeram o novo Papa Bonifácio IX.
A reputação do Frei Vicente Ferrer se firmava em cada oportunidade, continuando de maneira ampla e crescente a influência da sua palavra, nos sermões, no confessionário atraindo uma impressionante frequência de pessoas e no diálogo pessoal. Era convidado por Reis, Militares e Políticos, a sugerir atitudes e providências em questões melindrosas e em acontecimentos que exigia consideração e analise dos fatos que poderiam ocorrer. Era, um homem sábio e influente, que sem dúvida, derramava uma fulgurante luz onde havia muita escuridão e cegueira. Não quis ser Bispo e nem Cardeal, mas a Igreja o fez Santo, e a humanidade o elegeu como “espelho” e “arquétipo” do homem de bem.
ELEIÇÃO DO PAPA BENTO XIII
Na França, no ano de 1394 morreu subitamente o Papa Clemente VII, em Avinhón, não resistindo ao desgosto que lhe proporcionou as autoridades da Universidade de Paris, negando-lhe obediência e recomendando que fosse realizado um Concílio Ecumênico para solucionar o problema do “Cisma”.
Com a morte do Papa em Avinhón, os Cardeais que o apoiavam, realizaram um conclave para escolher o substituto, e elegeram no ano de 1394, o Cardeal Pedro de Luna, que adotou o nome de Papa Bento XIII.
Sendo amigo e fraterno companheiro do novo Papa, o sábio e prudente dominicano Vicente Ferrer, não pode negar, e não aceitar o convite para residir no palácio-fortaleza de Avinhón, junto com o Papa Bento XIII, seu amigo de longa data, que logo o nomeou seu Confessor, Penitenciário Apostólico, Mestre do Sacro Colégio e Capelão Doméstico. Em face dos inúmeros problemas que surgiam, o Papa necessitava do seu permanente conselho, da sua fiel e agradável companhia.
A VAIDADE INTERFERE
Entretanto, com quase três anos de uma vida afetiva e com imensa confiança, aconteceu uma mudança radical no relacionamento dos dois. No dia 1º de Abril de 1397, chegou ao palácio-fortaleza de Avinhón, Dom Martín, Rei de Aragão. Veio para conferenciar com o Papa e as autoridades religiosas, sobre aquela absurda divisão dos cristãos. E assim, numa conversa particular com o Papa Bento XIII e o Padre Vicente Ferrer, descrevendo-lhes as notícias da Itália e da Espanha sobre o “Cisma”, que tanto incomodava o mundo cristão, explicou Dom Martín, que estava absolutamente certo de que o “Cisma” poderia ser solucionado, se abdicassem ao mesmo tempo, os Pontífices de Roma e de Avinhón. O Papa Bento XIII reagiu energicamente, não esperou Dom Martín nem terminar a frase que falava. E, mesmo depois dos argumentos explicativos e da intervenção conciliadora do seu amigo pessoal Frei Vicente, o Papa Bento XIII continuou irredutível e encerrou o assunto de uma vez. Desapontados, o Rei Dom Martín se despediu e o Padre Vicente Ferrer, muito constrangido, foi para as suas acomodações.
MUDANÇA RADICAL
Aquela reação intempestiva e grosseira do Papa deixou Frei Vicente admirado e impressionado! Com aquela atitude, ele revelava uma pessoa totalmente diferente daquela que espiritualmente procurava se mostrar. E na continuidade, o tratamento do Papa para com o seu amigo de longa data, mudou de maneira radical, o Frei Dominicano ficou praticamente esquecido no palácio. Por mais que pensasse, Vicente não conseguia entender porque o Papa não aceitou a oportunidade de acabar com o Cisma? Será que era uma manifestação da sua vaidade pessoal? Mas aquele procedimento de Bento XIII não era correto e desenhava uma triste e monstruosa figura, que ele, seu amigo há tantos anos juntos, não conhecia! Ficou magoado com a incompreensível atitude do Papa!
Por sua vez, o Papa recordando as conversas que tiveram, não teve estimulo para procurar e nem chamar o seu amigo, pois lhe faltava disposição e, talvez estivesse até meio ressabiado para fazer os devidos esclarecimentos e realizar os diálogos de todos os dias.
ACOMODANDO A SITUAÇÃO
Sem alternativa, Frei Vicente se dedicou a fazer somente o atendimento cotidiano no palácio, e a escrever livros. Mas, certo dia, já também cansado daquele movimento do palácio, inclusive das muitas reuniões com autoridades que não lhe davam sossego, não conseguiu reter a sua prostração e inquietudes, frutos da sua grande decepção com a decisão do seu amigo Papa. Este fato afetou a sua saúde e ele adoeceu seriamente. Mas para sua felicidade, ele se recuperou milagrosamente com uma especial visão de JESUS que estava na companhia de São Francisco de Assis e de São Domingos de Gusmão, e que lhe recomendou a pregar o evangelho por todas as partes.
DECIDIU SEGUIR AQUELE CAMINHO
Intimamente refeito procurou o Pontífice. Logo no inicio da conversação só encontrou resistência, o Papa relutava em lhe dar a permissão de deixar Avinhón. Triste e desapontado, Frei Vicente se retirou e ficou aguardando. Depois de alguns meses de total silêncio, em 1389, Bento XIII finalmente deu a permissão e Vicente se preparou para fazer pregações em todas as regiões da Europa Ocidental. Decidiu ser outro homem. Deixou o palácio e iniciou uma série de viagens, levando a palavra de DEUS e esclarecendo dúvidas relativas à religião, se unindo a outros Sacerdotes que o procuraram, com o mesmo ideal cristão na preciosa missão de pregar JESUS e JESUS Crucificado por nós, divulgando os ensinamentos Divinos para a salvação de todos que tivessem fé. E assim, a ele se juntaram outros padres e religiosos entusiasmados, inclusive religiosos e leigos que com fervoroso desejo de consolar JESUS se flagelavam, e ficavam com o corpo ensanguentado, com as marcas dos flagelos. Juntos, iam de cidade em cidade, reunindo multidões de pessoas ávidas para conhecer e ouvir a palavra do SENHOR. O espetáculo era grandioso e impressionava. Chegavam em cada lugarejo na hora do crepúsculo entoando um hino religioso. Na frente, os sacerdotes e logo atrás, uma grande cruz de madeira e depois, seguindo em duas filas uma quantidade de homens encapuzados, com os ombros e as costas desnudas, com marcas dos açoites cobertos de sangue, com o corpo ligeiramente encurvado em face das dores da cruel flagelação que eles mesmos se impunham “para consolar o SENHOR, por causa dos pecados da humanidade”. As pessoas dos povoados, das vilas e pequenas cidades, se aproximavam e se prostravam em orações, penalizadas com as dores dos penitentes e juntavam as suas orações e sacrifícios para maior consolo e honra de NOSSO SENHOR, sobretudo, buscando com as flagelações e sacrifícios, amenizar no SENHOR, a lembrança da SUA dolorosa e terrível Paixão. Depois, numa praça ou num local mais amplo, se acomodavam, enquanto o povo se reunia para ouvir a vibrante homilia de Frei Vicente. Tudo funcionava como uma verdadeira companhia de homens bem formada e obediente às ordens emanadas do incansável religioso dominicano.
Terminado o sermão, cantavam uma bonita musica referente aos sofrimentos de JESUS e depois seguiam o caminho. Assim andava Frei Vicente através de aldeias e povoados. Quando anoitecia, paravam numa pousada onde descansavam, e no dia seguinte seguia com o mesmo apostolado. Foram muitos e muitos os lugares por onde passou e pregou na França, também na Itália e na Suíça. Há inclusive citações de alguns hagiógrafos, que ele pregou também com a sua “companhia”, na Inglaterra. Desse modo, seria incontável a descrição de todos os lugares aonde ele chegou, assim como os milagres de DEUS acontecidos por sua intercessão, as conversões e mais de uma centena de episódios ocorridos, reveladores do seu admirável caráter e da sua personalidade íntegra. E apesar de muitos e variados tipos de ambientes por onde passou, permanecia inalterável a sua fé, a dialética clara, compreensível e sonora, que vibrava no coração dos ouvintes. E muito embora, ele só conhecesse o idioma do seu país e da sua região, o espanhol de Valência, e também o latim e um pouco de hebreu, era perfeitamente ouvido em todos os lugares por onde passou. Perguntado como acontecia aquilo, ele respondia:
“DEUS é que me faz compreendido por todos”.
FIM DO MUNDO
Um dos assuntos importantes das suas pregações, era a sua crença eminente da “próxima Segunda Vinda de JESUS, para o Juízo Final”. Frei Vicente falava com tanta certeza e com palavras tão inflamadas, que suas pregações se tornavam um convite vivo e imediato à conversão do coração, de todos aqueles que tinham fé em DEUS e acreditavam na salvação.
Em 1406, depois de ter pregado em muitos locais da Europa, retornou a Espanha, pois não era mais um jovem, embora continuasse a sua evangelização por terras da Andaluzia: Baeza, Écija, Córdoba, Sevilha, depois por Guadalajara, Toledo, Cuenca e chegou a Barcelona, onde no meio de uma grande multidão, o próprio Rei Martín “el Humano”, foi recebê-lo com um forte e caloroso abraço. Pregando na Praça do Borne, que estava ocupada por uma multidão que lotava todo o ambiente, fez um maravilhoso e inspirado sermão, realçando com palavras fortes que emocionou as pessoas ao dizer que “via o ANJO DA GUARDA ao lado da Porta dos Cegos, a fim de deixar claro que sempre ELE defendia a cidade”. Desde então, aquela parte da antiga muralha ficou conhecida com o nome, que ainda se conserva, de “PORTA DO ANJO”.
E tendo voltado à Espanha, aconteceram contatos com o Papa Bento XIII. Mas o Pontífice se mantinha irredutível, não queria mesmo de nenhum modo abdicar o trono de São Pedro, como medida para acabar o “Cisma”.