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NASCIMENTO E JUVENTUDE

 

INFÂNCIA

Francesca Buscis ou Bussa de Leoni nasceu em Roma no princípio do ano 1384. Seus pais eram pessoas nobres e ricas: Paolo Bussa de Leoni e Iacobella de Roffredeschi. Eles tinham um belo palácio próximo a Plaza Navona e ao Circo Agonale, não distante da Paróquia de Santa Inês, onde Francisca foi batizada no mesmo dia de seu nascimento. E foi também naquele progressista e movimentado Bairro Parione que ela passou a sua infância e adolescência.

Sua mãe era muito piedosa e desde cedo lhe ensinou a rezar, despertando na jovem o interesse e o carinho por DEUS e pela VIRGEM MARIA. A senhora Iacobella gostava de frequentar a Igreja de Santa Maria Nova, administrada pelos Padres Beneditinos de Monte Oliveto, e lá, escolheu como seu confessor o Padre Antonio de Monte Savello. Ele era um religioso culto, cheio do ESPÍRITO de DEUS e muito versado em teologia mística. Por essa razão, a senhora Iacobella também confiou ao sacerdote à direção espiritual de sua filha Francisca, que desde os seis anos até a idade de 41 anos, se confessou com ele semanalmente. Homem inteligente, Padre Antonio logo percebeu as virtudes da jovem e compreendeu que podia conduzir a alma de Francisca aos cumes mais elevados da vida mística, e por isso, procurou orientar a vida espiritual da jovem solidamente fundamentada na humildade e na obediência.

A boa formação recebida de seus pais era robustecida vigorosamente pela permanente frequência a boa leitura nos livros que a mãe lhe presenteava. Aos 6 anos de idade, por iniciativa pessoal, começou a praticar o jejum e a abstinência, e, sobretudo, se entusiasmava com a leitura da vida das virgens mártires e dos Santos em geral; também gostava de visitar as Igrejas para lucrar indulgências e rezar a Via Sacra. Conhecia as Escrituras, especialmente o Evangelho e as cartas de São Paulo, mas lia certamente com paixão os apócrifos e as vidas dos Padres no deserto, largamente difundidos na Idade Média, graças à grande vulgarização das lendas. As lendas eram um pequeno instrumento de leituras sugeridas ao leigo devoto que quisesse melhorar a sua vida espiritual. O bairro Parione, era bem central e populoso, culturalmente muito vivo, porque ali a indústria dos manuscritos floresceu, mas na Roma pré-renascentista no ensino regular, o manuscrito (o saber escrever) não foi incluído na educação das meninas, mesmo naquelas de padrão elevado como era Francisca, que a família já tinha destinado a um sólido e futuro matrimônio.

Por outro lado, Francisca aproveitava todos os momentos disponíveis para ler as Sagradas Escrituras, principalmente os Salmos e o Novo Testamento. Mas os relatos da vida dos Padres no deserto imprimiram em seu caráter uma atração tão especial pela “vida eremítica” , a ponto dela querer transformar o seu quarto “num ambiente solitário” , para se sentir sozinha e isolada do mundo.

No final do século XIV (Trezentos), Roma ainda estava sofrendo, no plano econômico e social, as consequências do período de Avignon, quando o Papa e toda administração da Igreja estava refugiada na França, por causa da explosiva política dos nobres romanos. Por isso, Roma era uma cidade essencialmente rural, com um comércio pouco desenvolvido, onde trabalhava uma classe de artesãos e profissionais que tinham um campo de atividades bastante limitado. Com a ausência da força de atração que era a Cúria Papal, reduziu automaticamente o afluxo de peregrinos, ou seja, a movimentação das pessoas, a cidade tinha um aspecto provincial. A grande atividade de construção que os Papas empreendiam e que continuou ao longo de toda Idade Média, tinha paralisado de súbito, e o planejamento urbano refletiu a vocação agrícola e pastoril durante o século XIV. Pomares e vinhas se introduziram na região povoada e a multidão circulava tranquila pelas ruas, entre as ruínas das casas, templos e monumentos abandonados. No tempo de Francisca, as contradições da cidade eram evidentes e claríssimas, embora tenha havido certa recuperação econômica, ajudada pela crescente importância no campo político por parte dos agricultores e comerciantes de gado, os Pecuaristas como eram chamados, além de uma tímida movimentação do comércio.

MATRIMÔNIO

E foi justamente na classe dos Pecuaristas, que Paolo Bussa escolheu o marido de Francisca, Lorenzo Ponziani, filho de Andreozzo e de Cecília Mellini, ricos proprietários de terras do bairro de Trastevere. Não é por acaso que a união tenha ocorrido em 1395 ou 1396, nos anos em que os dois grupos familiares dos Bussi e dos Ponziani estavam mais diretamente envolvidos na vida publica da cidade. Eles eram membros ativos do grupo de dirigentes romanos num período politicamente delicado, aquele da crise da liberdade dos municípios italianos, que antecedeu a restauração pontifícia em 1398, da volta para Roma do Papa Bonifácio IX que estava em Avignon. E para reforçar a importância do enlace, Lorenzo era o Comandante em Chefe das forças romanas do Papa e da família Orsini, que protegia e defendia Roma.

Nesta época, Francisca com doze anos de idade, aceitou a união só por obediência, pois durante a sua adolescência tinha traçado um ideal de perfeição cristã que o casamento contradizia. Ela idealizara ingressar num Mosteiro e consagrar a sua vida inteiramente a DEUS.

Mas, não é difícil imaginar as pressões e o esforço feito pela família para celebrar uma aliança politicamente conveniente, bem como economicamente vantajosa. No costume da época, o pai sentia o direito de utilizar de todos os meios, e, por vezes até mesmo de violência, para convencer a filha rebelde aos seus desejos.

Dias após o anúncio dos pais de seu próximo enlace, confessando-se na Igreja de Santa Maria Nova com Padre Antonio, contou-lhe os fatos: a imposição do casamento pelos pais e o seu desejo de permanecer virgem e entregar sua vida integralmente ao SENHOR. O sacerdote conscientemente mandou que ela obedecesse aos seus pais, porque aquela era a Vontade de DEUS.

Todavia, a entrada no domicílio conjugal, logo nas primeiras semanas de convivência matrimonial, Francisca caiu doente, e de forma seriamente tão grave a ponto de se temer por sua vida. Então para ajudar, os parentes recorreram às artes de uma bruxa a fim de realizar o trabalho de cura, mas Francisca, que abominava a prática da magia, mesmo agora à beira da morte, rejeitou com horror e energia, o serviço daquela feiticeira, embora naquela época a magia das feiticeiras era considerada legal por muitas famílias. Na noite seguinte, ainda com bastante febre, lhe apareceu em sonho Santo Aleixo que lhe restituiu a saúde, e a consolou da dor pela perda da virgindade com o casamento, deixando-a ciente que ela era da predileção do SENHOR. Foi sem dúvida, um precioso carinho Divino e uma demonstração amorosa, em face da sua integral rejeição a feitiçaria.

Santo Aleixo era romano, e sua intercessão trouxe a Francisca um grande consolo, porque ele era o Santo da pureza e da pobreza, e este fato, considerado posteriormente, teve na vida da Santa, um preciso significado simbólico, por que coincidiu com o seu próprio modo de viver. O Santo apareceu à bem-aventurada, envolto numa capa de eremita e depois de lhe falar, lançou o capuz sobre a sua cabeça, atuando desta maneira misticamente como se fosse uma investidura monástica, muito desejada por ela, mas, que ficou irrealizada pela vontade do mundo. Ela imediatamente ficou curada. Ajoelhou e agradeceu ao SENHOR.

Depois do casamento, Francisca deixou a casa paterna, no centro de Roma e seguiu com seu esposo a residir no palácio da família dele, no Trastevere. Lá viviam os pais de Lorenzo, o seu irmão Paluzzo e sua esposa Vanozza de Felicibus. Com sua cunhada Vanozza cultivou uma excelente amizade que as mantinham sempre unidas, ajudando-se mutuamente nos assuntos do lar e da família. Para agradar ao marido, Francisca não se negava a comparecer em público adornada com as jóias e os vestidos caríssimos que ele apreciava, mas embaixo deles, sempre usava o cilício de suas mortificações. Lorenzo, por seu lado, soube compreender a devoção religiosa de sua esposa e colaborava, deixando que ela frequentasse a Igreja sem qualquer dificuldade. Francisca continuou se confessando semanalmente e tendo a orientação espiritual do Padre Antonio, na Igreja de Santa Maria Nova. E dessa forma, sabiamente orientada pelo seu confessor, soube viver de acordo com as exigências de seu novo estado de mulher casada. Entendeu o casamento como um caminho de santidade, persuadida que estava de que a verdadeira santidade consiste em primeiro lugar, cumprir todos os deveres de estado com fidelidade e abnegação, por amor a DEUS. E por isso mesmo, se aplicou com a melhor dedicação em não se descuidar de nenhuma obrigação do estado matrimonial, porque nele se encontrava por decisão da Providência Divina.

AÇÃO E CONTEMPLAÇÃO

Entretanto, só o matrimônio, já foi suficiente para realizar uma profunda transformação espiritual na jovem. Após a sua cura rompeu o seu isolamento e se abriu ao mundo através de uma vida de piedade e de boas obras. Na verdade, Francisca continuou a se portar com saudade da antiga clausura e sofria mais profundamente em silêncio o encanto que a vida de eremita lhe causava, mas que não podia seguir.

Ela se levantava bem cedo, fazia as suas devoções e leituras piedosas, e aproveitava o tempo para rezar ou visitar uma Igreja. Para ficar mais perto possível da vida religiosa, tão desejada, ingressou na Ordem Terceira Franciscana, e junto com Vannozza, construiu num canto do jardim do palácio, uma espécie de caverna, na qual as duas se reuniam para rezar e projetar santos planos. Foi assim que ambas decidiram renunciar aos inúteis passatempos e a se dedicar a distribuição de esmolas aos necessitados, e também, visitar e cuidar dos doentes nos hospitais.

Francisca era feliz em sua vida matrimonial. A estima, o amor e o respeito eram recíprocos entre os esposos, e foram os construtores de uma convivência unida e carinhosa, onde a paz existia e dominava os corações. O casal teve três filhos: Agnese (Agnes), Giovanni (João) Evangelista e Giovanni Battista (João Batista), que era o primogênito. Não confiou a educação dos seus filhos a outras pessoas, como era comum nas famílias abastadas daquela época. Neste aspecto ela rompeu com a tradição, e quis, ela mesma, instruir e educar os seus filhos, porque estava convencida que isto era obrigação de uma mãe cristã.

Perseverantemente procurava sempre o momento certo em que poderia se lançar isoladamente na adoração e no colóquio com o SENHOR. Sua sensibilidade espiritual foi indelevelmente marcada pela lição do monarquismo. Para Francisca a contemplação era o ideal supremo, e o distanciamento das coisas terrenas, o caminho necessário para se alcançar DEUS.

Entretanto, em Francisca estava bastante viva na sua consciência, a realidade de que a plena realização desse ideal não é concedida ao homem ou a mulher nesta terra. Um dia, tentando escapar do peso das habituais ocupações, entrou em sua caverna para se isolar e rezar debaixo de uma árvore de marmelo, coberta apenas com flores e folhagens, pois estava no mês de abril, não era época de frutos. Mas, enquanto estava em profunda meditação, caíram da árvore dois frutos maduros. O evento prodigioso despertou a admiração dela e de todos que souberam do fato na casa, e deixou realmente uma mensagem de valor simbólico: A realização plena e completa da vida solitária no mundo é uma aspiração inalcançável, “é como um fruto maduro que surge fora da estação”. (Só acontece por manifestação sobrenatural).

Uma noite, o diabo lhe apareceu sob o disfarce de um eremita, dizendo-lhe que era Santo Onofre e queria conduzi-la a um lugar bonito no deserto que era especial para ela. Mas Francisca percebendo a armadilha o repeliu duramente. Sugestões eremitas que tinham atravessado a cultura religiosa feminina na Idade Média, voltou a propor, entre os séculos XIV e XV, a solidão mística do encarceramento, do confinamento voluntário, que era um extremo ato penitencial, como meio de santificação. "A piedosa senhora Ponziani distinguiu-se ainda mais entre todas as mulheres, porque se decidiu, e explicitamente afirmou não querer fugir do mundo, mas de permanecer no posto que o SENHOR a tinha colocado, por que aqui era o seu lugar".

Próximo ao palácio dos Ponziani, pela generosidade da família, os seus sogros Andreozzo e Cecilia Ponziani fundaram em 1391, o Hospital de Santa Maria, na região da Capela, cedendo o terreno e fazendo a maior parte das doações financeiras. A obra verdadeiramente de utilidade pública foi reconhecida e elogiada pelo Papa Bonifácio IX.

No ano 1400, em face da morte de sua sogra a senhora Cecília, teve que assumir a direção do palácio, mantendo todos os serviços com a mesma regularidade. Na casa havia um bom número de domésticos e por isso, se fazia necessária uma boa organização. Tratava a todos com respeito e os estimulava ao devido capricho e bom cuidado na execução de suas funções, ao mesmo tempo em que deixava realçar no cotidiano a sua fraterna e carinhosa bondade. Não permitia que lhes faltasse qualquer coisa e os convidava sempre a viver uma existência verdadeiramente cristã. Quando algum empregado ficava doente, não permitia que o levassem para o Hospital, pois como dizia: “Se vamos aos hospitais para servir os pobres que são estranhos, por que não servimos dentro de nossa casa, os nossos criados que estão enfermos”? E assim, tratou de fazer de seu numeroso serviço doméstico uma digna e única família.

Desde esta época, já estava sedimentado em sua mente a realidade de que o retiro pleno  no Mosteiro não podia ser considerado como a única condição para se conseguir a perfeição, também os leigos deviam ser inseridos nesta pesquisa. Os que vivem no mundo podem ser santificados através de uma vida simples e pobre, aberta ao amor fraterno. Esta foi à esperança que animava Francisca, e marcou a sua vida com uma dupla experiência, do ascetismo monástico e da dedicação ao próximo.

OBRAS DE CARIDADE

Em companhia da cunhada Vannozza, esposa de Pauluzzo Ponziani, irmão mais velho de seu marido, a jovem esposa Francisca deu início a uma intensa atividade caridosa e assistencial em favor dos pobres e dos enfermos. Esposa de um homem nobre e rico renunciou a todos os ornamentos e jóias usadas pela vaidade feminina, vestindo roupas pobres e simples. Vendeu as roupas elegantes de seu enxoval e com o produto da venda comprou tecido e fez roupas para os pobres. Deixou sua casa sempre aberta para atender as necessidades daqueles que vinham pedir esmolas. Trabalhou ativamente para os doentes no Hospital de Santa Cecília, em Trastevere, no Hospital do Espírito Santo em Sassia do Camposanto, mas especialmente naquele Hospital de Santa Maria, na Capela, que seus sogros Andreozzo e Cecilia Ponziani tinham fundado em 1391. Aos enfermos, Francisca providenciava pessoalmente, lavando as suas roupas e tratando das suas feridas, enfatizando o significado penitencial de sua própria escolha quando de modo incansável e paciente atendia a todos, não lhe reservando o menor horário para o seu descanso.

Os Asilos romanos estavam num estado assustador de abandono e representava um dos pontos extremos da marginalidade social em Roma, de modo que foi um dos setores privilegiados nos trabalhos de restauração e reorganização da cidade empreendida pelos Papas na primeira metade do século XV. Em tal ambiente, sobrecarregado pelas necessidades humanas e morais, bem como materiais, Francisca também trouxe o conforto de sua palavra e assegurou também que não faltaria a assistência religiosa e sacramental, como de fato aconteceu. "Se devemos aliviar as feridas físicas do homem, também temos o dever de reparar o sofrimento da solidão e do abandono, talvez não menos grave do que a necessidade material".

Mas Francisca não se contentou em exercitar a compaixão para com os pobres, e assumiu aquela mesma condição de vida, às vezes, praticando uma forma de mendicância privilegiada, vivendo secretamente assim, em desprezo as convenções de sua própria classe social. Como “humilde pobrezinha” andava pelas casas dos ricos pedindo esmolas ou entre os grupos de mendigos sentados nos degraus das Basílicas romanas implorando as pessoas que iam rezar.

A TAUMATURGA

Um aspecto fundamental e característico do empenho caritativo de Francisca é representado pelo seu dom de cura. Recorria a meios simples que ela mesma preparava com ingredientes comumente utilizados, de acordo com uma herança antiga de experiências e práticas populares, como xarope de plantas, pomadas, emplastros com ervas e outros.

Uma de suas pomadas era composta com sumo de arruda e manjerona e um pouco de óleo. Usava um pedaço de pano embebido em vinho quente para desinfetar uma ferida, que depois tratava com uma cataplasma de ervas e barro seco.

A atividade taumaturga de Francisca está evidenciada pela história dos muitos milagres que fez durante a vida e depois da morte. Muitas daquelas curas têm um caráter efetivamente prodigioso, eram verdadeiros milagres de DEUS por sua intercessão, como a cura de um paralítico, ou de epiléticos, como a ressurreição de um afogado.

Mas, a maioria das curas acontecia devido às suas habilidades e conhecimentos pessoais, assim como por sua sensibilidade médica, iluminada pela Luz de DEUS. São milagres que têm as suas raízes em suas obras de caridade, na sua concreta misericórdia, apoiada por uma fé inabalável. Um dia Francisca encontrou numa ponte velha e abandonada um romano, com o braço horrivelmente ferido e já gangrenando porque não tinha dinheiro para pagar um médico. Junto com Vannozza, o transportou até a sua casa. Desinfetou o local e medicou a profunda ferida, e em seguida, fechou o ferimento suturando com agulha e linha. Ele ficou completamente curado.

Como terapeuta, no entanto, Francisca teve uma especialização particular, ligada a uma intensa atividade ginecológica e obstetrícia. Com frequência atendeu trabalhos de parto. E primordialmente, curou com sucesso mulheres que sofriam por causa de gravidez difícil e em alguns casos, superou condições desesperadoras. Sabia como resolver os problemas das mães preocupadas com a falta de leite, fenômeno extremamente grave naquela época, da mesma maneira que hoje, uma criança deveria ser amamentada no seio materno até os dois anos de idade. As atividades de Francisca neste domínio tiveram as suas raízes em práticas sociais específicas: a assistência no parto e no puerpério (período após o parto) que na verdade, era parte de todas as obrigações e direitos tipicamente femininos, naquela época.

Não devemos esquecer que na Idade Média a tarefa da medicina era confiada ao cuidado principalmente das mulheres, isto muito antes da medicina se tornar uma profissão, que exige o curso na Faculdade, com anos de estudo e de prática para a formação profissional, e que logo no inicio da nova diretriz, passou a ser especificamente da competência masculina. Mas não é por acaso, que encontramos nos registros das mulheres daquela época, que embora não sendo numerosos, existem diversos textos referentes a conhecimentos médicos das mulheres, tais como o tratado de ervas de Idegarde de Bingen, a grande freira renana do século XII, ou os conselhos de uma médica ginecologista de Salerno, a misteriosa Trotula, testemunhando que inicialmente, as mulheres atuavam na medicina.

OS PONZIANI NA ROMA DO SÉCULO XV

O grande palácio em Trastevere era o centro de toda atividade comercial, e naquela época era o símbolo tangível da unidade e do prestígio social da família. Tratava-se de um verdadeiro e próprio complexo residencial, capaz de absorver uma multiplicidade de funções do planejamento urbano. Casa para a família em primeiro lugar deve ser entendida num sentido mais amplo. No palácio habitava Andreozzo e Cecília com os filhos e a nora, e uma multidão de funcionários e de empregados domésticos, não só para a manutenção da casa, mas das criações e da produção agrícola. Na cidade também eram armazenados os produtos agrícolas, vinho e trigo, em unidades residenciais localizadas perto da casa principal, e lá eram vendidos. Então haviam os depósitos devidamente organizados. No complexo estavam também alojados alguns animais, bestas de carga e de trabalho. Ao redor da casa havia um grande pátio e um jardim com árvores frutíferas onde a Santa muitas vezes se retirava para rezar, na sua "gruta".

Foi esta notável segurança econômica que permitiu a Francesca e Vannozza fazerem doações para os pobres em tempos de fome e quando a peste assolava a cidade, e também manter normalmente a sua família, mesmo em tempos de escassez nas graves crises alimentares.

Num ano de colheita particularmente escassa Francesca esvaziou o depósito de grãos para alimentar os pobres esfomeados, que buscaram auxílio em sua casa, em seguida, com a graça de DEUS, deixou o celeiro cheio de trigo de excelente qualidade. Em outra ocasião, distribuiu aos doentes o vinho fino de esvaziar completamente o barril que o sogro sabiamente reservava para a sua família. Quando os homens da casa foram à cantina pegar um pouco daquele vinho precioso encontraram o barril vazio! Tiveram uma reação amarga e violenta. Francisca não teve qualquer sucesso em querer acalmá-los, então se afastou e por alguns minutos permaneceu em oração. Mais tarde, os homens voltando à cantina encontraram o barril cheio de um vinho ainda mais delicioso que o anterior. A razão dos homens, compreensível na lógica humana limitada, é destruída pela lógica mística e evangélica da Santa, pela sua fé na Providência, que restituiu o vinho com generosidade e superabundância de graça.

NUVENS DE SOFRIMENTOS

Não obstante a excelente condição financeira e a posição privilegiada que os Ponziani gozavam na sociedade romana, a vida conjugal de Francisca foi marcada por muito sofrimento e aflitivas dificuldades familiares ao longo dos anos.

Após a morte do Papa Bonifácio IX em 1404, Ladislau d’Angió Durazzo, Rei de Nápoles, interveio em Roma como mediador de uma revolta. O novo Papa Inocêncio VII proclamou Ladislau, “defensor, conservador e protetor da Igreja”, e assinou com ele um tratado desastroso. Com a morte do Papa Inocêncio VII, o novo Papa, Gregório XII, mostrou interesse em se entender com o Papa Bento XIII, que era o anti-Papa residente em Avignon, na França, com o objetivo de acabar com o Cisma. Mas Ladislau com interesse em que o Cisma se prolongasse, para continuar mantendo o seu domínio sobre o verdadeiro Papa, que agora era o Papa Gregório XII, ocupou militarmente Roma em 1408.

A capital romana ficou dividida por dois aguerridos bandos que travavam encarniçada guerra: os Orsini, em cuja facção Lorenzo se encontrava integrado, ocupando o elevado posto de comando, também a favor do Papa Gregório XII, enquanto do outro lado, os Colonna, eram os seus adversários que apoiavam o Rei Ladislau Durazzo de Nápoles, que invadiu Roma três vezes. No ano seguinte (1409) Ladislau tentou impedir a realização do Concílio de Pisa, que buscava eleger um Papa para acabar com o Cisma, mas, foi forçado a abandonar os territórios ocupados do Lazio e da Úmbria, por uma forte e bem militarizada força de fiorentinos e sienenses. Em 1408/1413 durante violentos combates, os Ponziani pagaram um preço muito elevado por sua fidelidade a Igreja e aos Orsini, os napolitanos se apoderaram de Roma, Lorenzo foi esfaqueado nas costas por uma adaga, ficando gravemente ferido e jamais se curou da agressão. Mesmo ferido foi preso junto com seu cunhado Pauluzzo que foi banido da cidade, e o filho Giovanni Battista foi exilado e o outro filho Giovanni Evangelista, que ainda era uma criança com três anos de idade, foi tomado como refém.

Foi ela mesma, Francisca, que em obediência ao Confessor, levou o seu bebê ao Capitólio, onde estava o lugar-tenente do Rei de Nápoles, e depois de ter confiado à vida de seu filho a NOSSA SENHORA RAINHA DO CÉU o entregou ao inimigo. Mas quando os soldados tentaram colocar a criança sobre um cavalo para levá-lo, o animal voltou-se para trás, recusando a criança. Admirados e surpreendidos, cheios de superstições, os soldados de Ladislao decidiram deixar o filho e o entregou a mãe, cuja fé na proteção da VIRGEM foi bem recompensada.

Em consequência da guerra e da falta de higiene, nos anos de 1413/1414 Roma foi assolada por um duplo e terrível flagelo: a peste e a fome. Por 35 anos Francisca realizou naquele Hospital de Santa Maria, na região de Capela, próximo ao palácio de sua família, todos os trabalhos de misericórdia, e agora, com maior intensidade, recebia no Hospital as vítimas da peste, cuidando pessoalmente dos doentes, preparando o necessário e até a comida. Para que fossem completamente bem assistidos, ela manteve um sacerdote no Hospital, considerando que os enfermos eram bem cuidados corporalmente, e também precisavam da assistência espiritual. O Hospital era visitado por quatro dos médicos mais famosos da Itália. E, além disso, Francisca com total desprendimento ajudava as pessoas a se recuperar de seus males. Por estas obras de caridade o nome de Francisca foi elogiado e abençoado em toda parte. Até mesmo os pregadores famosos como São Bernardino de Siena e São João Capistrano, elogiaram as suas admiráveis virtudes.

Mas o mal estava disseminado em todo lugar e por isso, também atingiu a sua família. Em consequência da peste, perdeu os seus dois filhos menores. Primeiro morreu Giovanni Evangelista de peste com 9 anos de idade e no ano seguinte morreu Agnes, abrindo duas profundas feridas no seu coração de mãe que heroicamente suportou a tudo com cristã resignação.

Em 1425 com a morte do Rei Ladislau de Nápoles, finalmente a paz chegou à cidade de Roma. Os sofrimentos dos Ponziani foram aliviados: Lorenzo e seu filho Giovanni Battista regressaram do exílio, os seus bens que tinham sido confiscados, lhes foram devolvidos, e num gesto de fraterno amor cristão, Francisca conseguiu que seu marido Lorenzo se reconciliasse com seu inimigo, a família Colonna. Por outro lado, de comum acordo, fundamentado no sincero amor que unia o casal, decidiram exercitar uma vida de maior perfeição cristã, Lorenzo procurou rezar e se aproximar do SENHOR, deixando a esposa com maior liberdade para também se consagrar a oração e ao fecundo apostolado que realizava.

O Seu filho Giovanni Battista que já conhecia e namorava Mabilia de Papazurri, de distinta familia do bairro de Trevi, pelo casamento a trouxe para a família Ponziani como sua esposa. Mas, a moça era muito vaidosa e pouco experiente nas realidades da vida, tentou palpitar na administração do lar. Francisca percebendo a intromissão se retirou sem impedir as reivindicações de Mabilia. Entretanto, os problemas domésticos cotidiano fizeram com que a realidade surgisse diante dos olhos da moça e então, ela compreendeu que não tinha capacidade para solucionar aqueles problemas e que não era justo querer substituir ou censurar o modo de administrar da senhora sua sogra, porquanto a ordem verdadeiramente tinha que ser dela. E a partir desse momento, com este drama na consciência, a vida da jovem perdeu a paz e se tornou um grande tormento, porque ela não conseguia administrar aquele imenso lar. Somente pela intervenção da Santa a pobre Mabilia foi libertada dos demônios que a possuíam e recuperou a sua serenidade. Por fim, a jovem se rendeu a realidade e se comportou com Francisca com autêntica devoção.

 

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