O IRMÃO QUE ERA UM VERDADEIRO PAI
CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS
João Ramalho era amigo de Brás Cubas, o Governador da Capitania de São Vicente, e se casou com Mbici, uma índia também conhecida com o nome de Bartira, filha do Cacique Tibiriçá, chefe da tribo dos Guaianases. Naquela época, segundo o conceito indígena, eles acreditavam que um homem que se casasse com uma índia, passava a fazer parte da tribo. Este fato colaborou para que fosse formada uma firme aliança entre os portugueses e os índios Guaianases, e mais tarde, também com a tribo Tupiniquins, que aderiu a aliança. Ambas as partes se ajudavam mutuamente, buscando cobrir as necessidades do trabalho.
Por outro lado, como não havia mão de obra suficiente para a lavoura, os colonizadores portugueses tiveram a idéia de pegar índios de outras tribos, para trabalhar nas plantações de cana de açúcar, que era à base da economia da Capitania de São Vicente. Sem lei que os impedisse, caçavam e escravizavam os indígenas sem a menor cerimônia. E na continuidade, os portugueses atacaram a tribo Tupinambás, porque Cairuçu, Cacique da Aldeia e sua tribo, vinham fustigando e saqueando as propriedades portuguesas em represália, por causa da escravização dos índios feita pelos lusitanos. A invasão foi ordenada por Brás Cubas, Governador da Capitania, e houve muita destruição e mortes, sendo capturada grande quantidade de índios, e entre eles o Cacique Cairuçu, chefe da tribo, e o seu filho Aimberê.
Entretanto, em face dos maus tratos sofridos no cativeiro, o Cacique Cairuçu morreu. E por isso, como era o costume, prepararam a cerimônia para o sepultamento, de acordo com o ritual indígena. Mas, sem que ninguém percebesse o filho Aimberê fugiu para as terras da Capitania do Rio de Janeiro, e lá, trabalhou firme, instigando a revolta das outras tribos contra os portugueses.
Em fins de 1554, Aimberê reuniu-se no litoral, onde hoje é Mangaratiba, com os outros Chefes Tupinambás que ocupavam a área litorânea que se estende desde Cabo Frio (Estado do Rio de Janeiro) a Bertioga (Estado de São Paulo), ou seja, do litoral sul fluminense ao litoral norte paulista, e juntos constituíram a temível Confederação dos Tamoios (“Tamuya” no dialeto Tupinambás), que em português significa: “o mais velho”, ou seja, “os mais antigos na área”.
Faziam parte dos Confederados os seguintes Chefes: o índio guerreiro Aimberê, o Cacique Pindobuçu da Aldeia Tupinambás do Rio de Janeiro, o Cacique Cunhambebe da Aldeia de Angra dos Reis, o Cacique Caoquira da Aldeia de Ubatuba, o Cacique Agaraí da Aldeia dos Goianases, e ainda as Tribos dos Goitacases, dos Aimorés e dos Termiminó, que de comum acordo elegeram como chefes: Aimberê e o Cacique Cunhambebe.
A Confederação tinha por objetivo combater os portugueses e todos que os apoiassem, entre eles, Tibiriçá Chefe dos Guaianases e a tribo Tupiniquins.
Em 1555, os protestantes franceses desembarcaram no Rio de Janeiro, liderados pelo Almirante Nicolau Durand de Villegaignon, e querendo permanecer na área, logo se aliaram a Confederação dos Tamoios, oferecendo armas e munições, em troca da permanência no território brasileiro, pois ambicionavam fundar aqui a França Antártica, para receber todos aqueles que eram perseguidos em seu país.
O primeiro Chefe que Comandava a Confederação foi o Cacique Cunhambebe, que residia numa Aldeia próxima a Angra dos Reis. Era um valente e destemido guerreiro, que marcou sua presença na história, por suas notáveis estratégias e ferozes ataques contra os portugueses. Faleceu em sua Aldeia, em consequência de um surto de doenças contraídas pelo contato com os brancos. Todas as tribos indígenas que viviam no litoral brasileiro, sem exceções, eram antropófagos, comiam prazerosamente os seus inimigos mortos em combate.
Aimberê foi eleito por unanimidade, o novo Comandante Chefe da Confederação e logo de inicio, inteligentemente usou a estratégia de ampliar a Confederação, procurando Jagoanharó, chefe de uma tribo Goianases e sobrinho do Cacique Tibiriçá, para que ele convencesse o seu tio, CaciqueTibiriçá dos Guaianases, a deixar os portugueses e participar da Confederação, mesmo que fosse por experiência durante um período de três luas. Mas quando as tribos se juntaram, surgiram ciúmes que originaram desavenças entre os índios. Então, Tibiriçá decidiu continuar fiel aos colonizadores portugueses. Resultou que foi travado um violento combate entre a Confederação e os Guaianases, morrendo muita gente, inclusive o Cacique Tibiriçá.
Padre Manuel da Nóbrega percebendo aquela terrível onda de violência, a ganância dos franceses que já estavam estabelecidos na Guanabara há vários anos, e também, a falta de atitude da Coroa Portuguesa, convocou o Irmão José de Anchieta, para ajudá-lo a resolver aquela situação. Padre Nóbrega não aceitava a presença dos franceses e trabalhava para apaziguar os ânimos, estabelecendo um acordo de paz entre os índios e os portugueses. Os dois missionários no dia 21 de Abril de 1563, partiram da Vila de São Vicente no navio de José Adorno, um genovês que morava na Vila, e rumaram para Iperoig (Ubatuba). Chegando ao local, Adorno mandou o seu navio de volta e permaneceu com os missionários que foram recebidos pelos Tamoios na praia, os quais, a principio, se mostraram hostis e com muita frieza, mas sendo saudados por Anchieta no mais puro dialeto tupi com promessas de paz e amizade, os índios se descontraíram e acolheram os emissários Jesuítas com cortesia. Na Aldeia indígena, logo de início, o Cacique Caoquira enumerou uma série de queixas contra os portugueses, que os missionários em absoluto silêncio ouviram, como era o costume. Na continuidade do diálogo, nos dias que se seguiram, Caoquira mandou emissários chamar todos os Chefes Confederados para conversar com os Jesuítas.
Enquanto esperavam chegar os Caciques das outras tribos, os dois missionários procuraram sensibilizar os selvagens. Armaram uma Capela e ajudado pelo Irmão José, Padre Nóbrega, todo paramentado celebrava a Santa Missa todos os dias. Os índios ficavam encantados com a beleza da cerimônia. No final de cada Missa, o Irmão José de Anchieta, com inteligência e sabedoria, lhes explicava a doutrina da Igreja, em tupi, de um modo fácil, a fazê-los compreender. E com muito barulho, andando em volta dos selvagens, batendo o pé no chão, gesticulando muito e fazendo pausas nos momentos mais dramáticos de suas pregações, deixava os índios atenciosos e concentrados, ouvindo as suas palavras. Logo, os Caciques Cunhambebe e Pindobuçu, também chegaram com suas tribos inteiras, e com alegria, participavam da Santa Missa.
Irmão José também começou a ensinar às crianças as músicas religiosas que compusera em tupi. Aquela cantoria deixava a criançada feliz e também atraia os adultos para as pregações dos missionários.
Todavia, a tranquilidade que existia no ambiente foi quebrada com a chegada do Cacique Aimberê com alguns índios de sua tribo, criticando os portugueses e não acolhendo os missionários da paz. Fez muitas e absurdas exigências, que não podiam ser aceitas. Então os outros Caciques conferenciaram com ele e encontram uma possível solução. Aimberê se ofereceu como emissário para ir discutir um Tratado de Paz com as autoridades na Vila de São Vicente. Assim ficou decidido e o genovês José Adorno seria o seu companheiro de viagem, levando uma longa carta para o Governador da Capitania, escrita pelo Padre Manuel da Nóbrega que ficou em Iperoig com Anchieta.
Aimberê e sua comitiva foram recebidos com todas as honras e dignidade, em São Vicente. E, de imediato, começaram as conversações que se estenderam por muitas semanas.
Nóbrega e Anchieta continuaram com seu trabalho em Iperoig, onde existia na verdade, índios que eram a favor e outros que eram contra a paz. Certo dia, estando os dois na praia, viram se aproximar umas canoas com índios comandados pelo Cacique Paranapuçu, que não estavam com jeito de bons amigos, porque davam gritos irados, que traduziam a intenção de matar os religiosos. Sem outra defesa, os dois apelaram vigorosamente para as pernas e correram para fugir dali. Logo na frente um riacho... Nóbrega sendo mais velho e se sentindo cansado, Anchieta o colocou nos ombros e atravessaram o riacho. Seguiram correndo com o maior esforço para se refugiar na casa do Cacique Pindobuçu. Mas ele não estava e aqueles índios vinham se aproximando! Então, eles se ajoelham e abraçados, rezavam em voz alta, quando chegaram os índios! Os selvagens ficaram espantados e hesitaram em matá-los! Anchieta percebendo aproveitou a oportunidade e tomou a iniciativa; levantou-se e pregou em tupi aos gritos, até que os agressores, entre intimidados e surpresos diante daquela cena, que não entenderam claramente, decidiram não matá-los! Como se pode compreender, os missionários suspiraram aliviados.
Como a situação do Tratado de Paz não se resolvia em São Vicente, Padre Manuel da Nóbrega decidiu voltar sozinho, deixando o Anchieta em Iperoig, pois o retorno de ambos ia acabar com as esperanças de paz na região.
Sem a companhia de Nóbrega, o Irmão José passou a enfrentar sozinho o difícil problema da convivência com os índios. E como era o seu costume, rezava muito para NOSSA SENHORA, suplicando a preciosa proteção da MÃE DE DEUS e, sobretudo o auxilio Divino, para vencer todas as tentações e cumprir sempre a Vontade do SENHOR, mantendo-se fiel aos Votos que jurou.
Foi nesta ocasião que ele compôs o admirável e famoso poema a VIRGEM MARIA, escrevendo com uma vara, nas areias da praia de Iperoig. Como não tinha papel, decorou todo o poema e meses mais tarde, escreveu-o num caderno.
Mas verdadeiramente, o Irmão Anchieta viveu dias muito difíceis, porque estando sempre em evidência, com os seus ensinamentos e conselhos, ajudando os selvagens mesmo nas coisas mais modestas, era assediado pelas índias que queriam namorar com ele. Algumas eram mais renitentes e incisivas, queriam visitá-lo na oca, obrigando-o muitas vezes a fugir, abandonando a sua morada e indo dormir em cima de uma pedra, numa encosta rochosa um pouco distante da aldeia indígena.
Homem íntegro e de caráter ilibado, vivendo junto aos índios, tinha que esquecer estas investidas assim como todos os seus aborrecimentos, e no dia seguinte, continuar normalmente com o seu trabalho, exercitando uma sadia catequeses e buscando colocar a paz e a concórdia no coração dos selvagens.
Mas, o ser humano sempre foi o mesmo em todos os séculos, cada um com os seus "cacoetes" oriundos de maus pensamentos, inveja, orgulho, vaidade, ciúme ou simplesmente por um próprio espírito de critica. E o Irmão José sentiu isto em sua própria carne e no seu espírito, embora só estivesse praticando o bem em benefício dos índios. Quase que diariamente surgiam perigos. Um dos Caciques da Confederação o ameaçou de morte, culpando-o pela ausência de caças nas armadilhas, como se ele fosse o culpado. Anchieta incisivamente disse que havia um engano e mandou que o Cacique e seus índios voltassem a examinassem corretamente as armadilhas, e a seguir saiu para rezar na cabana. Os índios e o Cacique foram e encontraram as armadilhas carregadas de caças. Em outra ocasião, um perigo mais grave, chegou um mensageiro dizendo que um membro da comitiva de Aimberê tinha sido assassinado em São Vicente. Os índios chegaram a se decidirem a matar Anchieta em represália, quando providencialmente, surgiu das matas, "mais vivo que nunca", o tal índio sumido. Ele estava cansado daquelas "conversas" e fugiu para casa.
Certo dia, quando as negociações pareciam ter chegado a um impasse na Vila de São Vicente, a notícia chegou a Iperoig e os selvagens resolveram mesmo a matar e comer de uma vez o Irmão José. E com esse objetivo foram à oca onde ele estava. Quando o Cacique Pindobuçu entrou acompanhado de outros índios, tiveram uma grande surpresa: o Jesuíta estava suspenso no ar, em orações levitando a mais de um palmo do chão. Assombrados os índios se afastaram. E como este acontecimento, na continuidade, muitos outros prodígios o Irmão Anchieta fez em Iperoig, e tantos foram, que os Tamoios passaram a respeitá-lo como um poderoso “feiticeiro”.
Depois deste fato, o Cacique Cunhambebe decidiu que o Irmão José de Anchieta deveria voltar a São Vicente, a fim de evitar futuras discórdias. E ele próprio, o Cacique Cunhambebe foi quem o conduziu de regresso.
Em São Vicente, as conversações chegaram ao seu final, Padre Manuel da Nóbrega conseguiu a libertação de todos os índios prisioneiros, e inclusive da índia Igaraçu, noiva do Cacique Aimberê. Assim, na sua longa missão de sete meses entre os índios, os Jesuítas conseguiram instaurar a paz, pelo menos com as tribos cujos Chefes foram a Iperoig, para onde logo regressaram Cunhambebe e Aimberê.
Durante o período de paz, os franceses viviam com os índios Tamoios na Guanabara, e para mais cativar a amizade dos selvagens, desenvolveram na tribo, a criação de gado e instalou e incrementou a produção de tecidos em teares manuais.
VARÍOLA SINISTRA AMEAÇA
Mesmo no ano 1563, quando Anchieta conviveu diariamente com o perigo de morte em Ubatuba, por causa dos índios que não queriam a paz, agora o perigo de morte voltou novamente a ameaçar os jesuítas e os índios do Planalto de Piratininga, por causa de uma terrível epidemia de varíola, espalhada pelos europeus, que matou quase trinta mil índios na costa brasileira. Os férteis campos de Piratininga logo se transformaram num vasto hospital a céu aberto para atender a todos os casos.
Nessa ocasião, Irmão José valeu-se do seu conhecimento das ervas nativas e com sabedoria aplicou aqueles produtos em beneficio dos selvagens enfermos. Nos casos mais graves, recorria aos sangramentos que apavoravam os índios, já que andavam bastante assustados com a doença que nunca tinham visto. O resultado foi admirável, sendo milhares de vidas salvas, pelas mãos dos missionários Jesuítas.
FUNDAÇÃO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
Debelada a epidemia de varíola, também na Capitania da Guanabara, a ameaça dos Tamoios fez o Padre Nóbrega chamar novamente o Irmão José de Anchieta. Desta vez, atendendo a convocação do Governador do Brasil, eles foram à Guanabara ajudar na fundação de um forte e na edificação de uma cidade para fazer frente aos franceses apoiados pelos Tamoios. O Governador Mem de Sá incumbiu esta tarefa ao seu sobrinho Estácio de Sá, que imediatamente convocou Nóbrega e Anchieta, e também, para povoar o vilarejo que ia construir, chamou gente de outras capitanias e até de Portugal.
Mesmo com a resistência do inimigo, o povoado, que recebeu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, começou a se tornar realidade em janeiro de 1565.
Durante esses dois anos, Anchieta serviu como mensageiro, levando notícias dos acontecimentos no Rio de Janeiro a Mem de Sá, Governador Geral do Brasil, que estava em Salvador, na Bahia.
Todavia, as tribos dos Tamoios da região da Guanabara, prosseguiram com os seus ataques e hostilidades contra as fazendas e população civil.
Por essa razão, silenciosamente, os portugueses neste período, também decidiram aumentar o poderio militar. Os índios da região, sempre muito observadores, começaram a recear que iam perder a sua liberdade, e assim, mesmo sabendo da grande desigualdade de forças, não se intimidaram, e enfrentaram os portugueses num renhido combate. A guerra se estendeu por mais de um ano, e só terminou quando o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá, que estava em Salvador, na Bahia, reforçou o exército de seu sobrinho Estácio de Sá na Guanabara, trazendo pessoalmente uma grande guarnição militar em três navios e muita munição. Os portugueses destruíram tudo, queimaram as tribos indígenas e as naus francesas. A batalha terminou no dia 20 de Janeiro de 1567, com a morte do grande guerreiro indígena Cacique Aimberê, Chefe da Confederação dos Tamoios. Na última batalha, Estácio de Sá foi ferido na face por uma flecha envenenada. Não deu grande importância, porque parecia um ferimento banal. Mas o veneno trabalhou lentamente e causou uma séria infecção, matando-o no dia 20 de Fevereiro de 1567, um mês depois do grande combate. Padre José de Anchieta estava presente e ministrou-lhe os últimos Sacramentos.
Os franceses que não foram mortos se renderam e no julgamento, foram condenados a morte, mas receberam o auxílio religioso. Um deles, no entanto, não aceitou a assistência do missionário Jesuíta, porque não estava arrependido de suas heresias. Irmão José foi incumbido de conversar com o homem e com a graça de DEUS, levou-o a se converter.
O cronista da época relatou, que no momento da execução, como a laçada da forca tinha sido mal feita, o francês ficou sofrendo pendurado, mas não morria. Irmão Anchieta ficou aflito e preocupado, porque aquele sofrimento não fazia parte da execução. Então, repreendeu o carrasco, orientando-o a fazer corretamente o seu oficio. A corda foi levantada, o laço foi refeito e o homem finalmente morreu enforcado.
Este episódio, durante longo tempo, se constituiu como um obstáculo a beatificação de Anchieta, porque algumas autoridades religiosas entenderam como se o Irmão José tivesse encontrado prazer na execução do francês. E na realidade, o que ele não queria era aumentar o sofrimento daquele infeliz que estava pagando o seu tributo à sociedade na forca, por ter sido condenado à morte pela justiça dos homens. A Sagrada Congregação dos Ritos por fim, aceitou os argumentos do Padre Hélio Abranches Viotti, SJ, postulador da causa, e Padre José de Anchieta foi beatificado.
FINALMENTE SACERDOTE DO ALTÍSSIMO
No início de 1566, em mais uma daquelas idas e vindas a Salvador, na Bahia, com a missão de levar as notícias ao Governador Mem de Sá, o irmão José finalmente completou os seus estudos e recebeu os últimos ensinamentos necessários, sendo ordenado sacerdote no dia 22 de Agosto de 1566. Aos trinta anos de idade, realizou o seu sonho pelas mãos de Dom Pedro Leitão, bispo do Brasil, que fora seu colega de estudos em Coimbra. E assim, voltando da missão, incorporado a esquadra preparada pelo Governador Geral do Brasil para auxiliar o seu sobrinho Estácio de Sá na conquista definitiva da Guanabara, para expulsar os franceses e acabar com a Confederação dos Tamoios, chegou ao Rio de Janeiro e participou da batalha final.
De 1567 a 1577 governou os Jesuítas das Casas de São Vicente e São Paulo. Em Setembro do ano 1577 voltou a Salvador, na Bahia, e com a morte do Padre Manuel da Nóbrega, foi nomeado Provincial do Brasil, que é o cargo mais elevado da Companhia de Jesus.
A GRAÇA DIVINA NO IRMÃO JOSÉ
Em face da grande quantidade de manifestações sobrenaturais que ocorriam através da modesta e humilde intercessão do Irmão José, todas as tribos indígenas que o conhecia, o respeitavam com muita seriedade, tratando-o como um poderoso “feiticeiro”. E esta imagem colaborou efetivamente, para ele salvar a vida de um homem. O mestre de obras Antonio Luis junto com um índio de uma tribo inimiga foi preso e estava prestes a ser devorado por índios Tupinambás. Autorizado pelo Cacique Pindobuçu, Irmão José seguiu para tentar libertar os condenados, embora tenha sido avisado, que também ele, poderia ser morto. Mas seguiu em frente, o seu coração amoroso lhe infundia uma grande confiança e muita coragem. Chegando próximo aos selvagens, argumentou que Antonio Luis construía as casas de DEUS, se morresse, não haveria ninguém para construí-las, e os assassinos dele, seriam feridos pela ira do SENHOR. Com medo do “feiticeiro”, os índios deixaram aquele homem em paz, mas trataram de comer rapidamente, o índio que o acompanhava.
Em 1582, uma esquadra espanhola comandada por Diogo Flores Valdez, devido a uma preocupante emergência de escorbuto na tripulação, atracou no porto do Rio de Janeiro. Padre José de Anchieta mandou construir um barracão para tratar dos marujos e providenciou agasalhos, alimentos e ervas medicinais da flora brasileira, conforme tinha aprendido com os índios, auxiliando de maneira inteligente e efetiva.
Embora improvisado, as instalações atenderam as necessidades e a maioria recobrou a saúde. E por isso, o barracão não foi demolido, e continuou a ser utilizado como um local adequado e muito procurado pelo povo carente da região a fim de tratar de suas enfermidades. E em consequência, se tornou o primeiro hospital do Rio, ou seja, a Santa Casa de Misericórdia.
Num dia 24 de Junho, quando se comemora a festa de São João, na Vila do Espírito Santo (Vitória), o povo se divertia com as cenas engraçadas que aconteciam. E numa delas, vários homens corriam atrás de um pato, pois a brincadeira consistia em pegar o pato. E na ânsia de pegá-lo, alguns derrapavam e deitavam no chão, outros pulavam no vazio porque o pato saia de lado, até que dois rapazes agarraram o “bicho” (bicho não, a ave) ao mesmo tempo. E agora? Concretizou-se um impasse! Quem era o vencedor? O Padre Anchieta que assistia a tudo foi convidado a decidir a questão. Ele de imediato transferiu a responsabilidade a um menino de quatro anos, que era mudo de nascença, e estava ao lado. O Padre lhe perguntou:
- “Dize-me, quem foi que ganhou o pato”?
- “Foi este, respondeu o menino, mas o pato é meu, pois quero levá-lo para minha mãe”!
Diante de todos que conheciam a criança, aconteceu o milagre! O menino mudo de nascença recuperou a voz, pela misericórdia infinita de DEUS e preciosa intercessão do Padre Anchieta!
Em outra ocasião, viajando numa canoa no rio Itanhaém, um grupo de Jesuítas com suas batinas pretas, padeciam sob calor escaldante do sol. Padre Anchieta que estava entre eles, chamou em voz alta algumas aves que estavam nas árvores próximas à margem do rio. Sem demora, um bando de guarás atendeu ao chamado e ficaram dando voltas por cima da canoa, produzindo uma aliviadora sombra para os religiosos, até o porto de desembarque.
Os pássaros eram os seus companheiros mais fieis, pousavam sobre os seus ombros e até sobre o seu breviário.
O trabalho do Padre Anchieta foi digno e admirável sobre todos os aspectos, além de auxiliar de modo eficiente a divulgar o cristianismo e a enraizá-lo no Brasil. Levou o seu conhecimento, a sua fé e o seu imenso amor a grande parte do território nacional, percorrendo as distâncias quase sempre a pé, ou a cavalo e em embarcações, atendendo e socorrendo pequenos recantos e também as Aldeias e Vilas. Abriu caminhos que se transformaram em estradas e contribuiu para manter unificado o país nos séculos futuros. Lançou os fundamentos da catequese e da educação dos jesuítas, útil e benéfica a todo o povo, e com seu carisma de comunicador, conseguiu um amplo e amigável entendimento com todos os índios.
OBRAS DO PADRE JOSÉ DE ANCHIETA
De toda a sua obra, destacam-se a “Gramática da Língua mais Falada na Costa do Brasil”, “De Gestis Mendi de Saa”, “Poema da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus” ("De Beata Virgine Dei Matre Maria"), os autos para o Teatro de Anchieta e suas inúmeras Cartas. Sua obra pode ser considerada como a primeira manifestação literária em terras brasileiras e contribuiu, efetivamente para a formação da cultura nacional. A coleção de suas Obras Completas está dividida em três temáticas: na poesia, prosa e nos autos para representação teatral.
Anchieta ganhou vários títulos, como: “Apóstolo do Novo Mundo”, “fundador da cidade de São Paulo”, “curador da alma e do corpo”, “carismático”, “Santo”, e principalmente “Apóstolo do Brasil”.
Ensinava latim e português aos colonos, seminaristas e aos índios, cuidava dos feridos, dava conselhos, escrevia poesias e autos em vários idiomas, inclusive o "tupi", conquistando de maneira concreta a confiança dos nativos. Os autos que escreveu e o grande número de apresentações fizeram com que seja considerado como o fundador do teatro brasileiro.
MORTE E BEATIFICAÇÃO
Desde 1585 pediu dispensa do posto maior de Provincial, por causa das suas enfermidades. O cargo exigia que todos os anos ele visitasse as casas Jesuítas do Brasil, o que sempre fez, exceto quando impedido pela pouca saúde. Em 1588, chegando o seu substituto, deixou o cargo de Provincial e assumiu como superior as casas no Espírito Santo. Aí permaneceu o resto de seus dias, com exceção de três interrupções, quando foi à Bahia em 1592, para a Congregação Provincial, e em 1593 e 1594, quando foi ao Rio de Janeiro como Visitador. Além da Casa de Vitória, ocupava-se igualmente do governo das aldeias de Reritiba (Anchieta), Guarapari, Reis Magos e Carapina, no Estado do Espírito Santo.
Estando na Vila do Espírito Santo (Vitória) e sentindo que o seu fim estava próximo, pediu que o levassem à Aldeia de Reritiba (Anchieta), onde faleceu no SENHOR no dia 9 de junho de 1597, com 63 anos de idade, dos quais, 44 anos dedicados a formação religiosa do povo brasileiro. De Reritiba (Anchieta) foi transportado de volta à Vitória. O cortejo fúnebre formado por pessoas de diversas etnias e classes sociais contava com mais de 3.000 índios que faziam questão de carregar nos ombros o caixão de Anchieta, num percurso de 80 quilômetros, durante três dias de viagem, sendo recebido na Vila do Espírito Santo (Vitória) solenemente por todo o povo e autoridades, tanto eclesiásticas como civis.
Anchieta cumpriu em tudo e de maneira admirável as atividades próprias dos jesuítas e demais missionários daquela época. Não só as praticou, mas distinguiu-se como mestre. Em 1560, escreveu ao Padre Geral da Companhia de Jesus, Diogo Laínes, em Roma, Itália:
"Quase sem cessar, andamos visitando várias povoações, tanto de índios, como de portugueses, sem fazer caso de calmas, chuvas e grandes enchentes de rios, e muitas vezes à noite por bosques muito escuros socorremos os enfermos, não sem grande trabalho, seja pela aspereza dos caminhos, como pela inclemência do tempo. Sendo tantas as povoações e tão distantes umas das outras, nem nós bastamos para acudir a tão variadas necessidades, como ocorrem, nem, ainda que fôssemos muitos mais, seriamos suficientes. A isto se ajunta que nós, que socorremos as necessidades dos outros, muitas vezes estamos mal dispostos e, fatigados de sofrimentos, e desfalecemos pelo caminho, de maneira que apenas o conseguimos levar a cabo a missão. Deste modo não menos necessidade de ajuda parece terem os médicos, do que os enfermos. Mas nada é árduo aos que têm por fim somente a glória de DEUS e a salvação das almas, pelas quais não duvidam em dar a própria vida".
Dele se contam muitos prodígios, profecias e milagres, curas de todas as naturezas, e até mesmo a familiaridade com pássaros e animais ferozes, como um São Francisco brasileiro, ou um Santo Antônio de Pádua de nossa terra. Dele se diz que rezando ou meditando, levitava em êxtase. Enfim, suas virtudes e qualidades, as suas criações espirituais e literárias, e um grande número de extraordinárias manifestações, lhe propiciaram uma grande fama, que humildemente jamais utilizou e aceitou, e que nunca se considerou merecedor. Foi Beatificado pelo Papa João Paulo II, no dia 22 junho de 1980, depois do processo ter se arrastado por mais de 300 anos na Cúria Romana. Segundo o conteúdo do Processo, para a prova definitiva foi utilizado para a Beatificação, o “milagre” acontecido por sua fervorosa intercessão, quando converteu três pessoas ao cristianismo num mesmo dia, salvando três almas da condenação eterna.