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JUSTIÇA E SANTIDADE

 

MORTE DO REI MARTÍN

Frei Vicente teve também uma grande tristeza, quando soube da morte do seu amigo, o Rei Martín de Aragão, “el Humano”. O jovem filho do Rei que era o natural herdeiro havia morrido há meses passado, por ter contraído uma terrível febre, provavelmente a malária. O acontecimento para o pai foi muito cruel e lhe trouxe sérias consequências, que somadas aos problemas da sua própria saúde, que não era boa, agravou o seu estado físico. E por isso mesmo, apesar dos intensos tratamentos, ele faleceu poucos meses depois.

Com o falecimento do Rei de Aragão houve uma grande disputa entre os parentes diretos e aqueles que tinham alguma afinidade, e mantinham interesse no trono. E por essa razão, não estava havendo acordo entre as partes, no sentido de definir o substituto do Monarca falecido. Depois de vários contatos e entendimentos, decidiram convidar Frei Vicente para participar da escolha do substituto do Rei, na qualidade de árbitro. Sendo ele um Santo homem inteligente, possuidor de um bem dimensionado caráter, estava em condições perfeitas de fazer uma avaliação dos candidatos e emitir uma opinião equilibrada e coerente.

 

O COMPROMISSO DE CASPE

Escolheram a pequena Vila de Caspe, e no ano de 1412 lá se reuniram com Frei Vicente, todos os candidatos ao trono. Sem dúvida, foi um acontecimento que elevou ainda mais o nome de Frei Vicente ao primeiro plano da política espanhola, assim como foi à ocorrência mais destacada da sua vida, onde também lhe propiciou os momentos mais dramáticos e perigosos da sua existência, pois eram nove (9) os escolhidos na Corte Espanhola que desejavam o trono de Aragão. E como é natural nestes casos, sempre havia a possibilidade da criação de inimizades, desavenças, brigas e até morte causada pelos descontentes.

As deliberações e os entendimentos no chamado “Compromisso de Caspe”, duraram várias semanas e por fim foi escolhido Fernando de Antequera. O voto do Frei Vicente Ferrer foi decisivo e inclusive foi acolhido pela maioria dos participantes. Ele disse:

“Eu, Frei Vicente Ferrer, da Ordem dos Padres Pregadores (Dominicanos), Mestre em Sagrada Teologia e um dos escolhidos e nomeado a participar deste conclave, digo segundo a minha capacidade intelectual: que o ilustre e magnífico senhor Fernando de Antequera, infante de Castilha, neto do Rei Pedro de Aragão de feliz recordação, pois era progenitor do senhor Rei Martín de excelsa memória ultimamente falecido, parente consanguíneo de um e do outro, nascido em legítimo matrimônio, e o mais próximo parente varão do dito senhor Rei Martín. Por isso devem e estão obrigados a ter por seu verdadeiro Rei e Senhor de Justiça, e assim, lhe prestar as homenagens de fidelidade todos os parlamentares, os súditos e vassalos da Coroa de Aragão (Espanha), de acordo com DEUS e a minha consciência. Em testemunho do que acabo de declarar, escrevi, firmo de minha mão a declaração, confirmando-la com o meu selo”.

Assim, Fernando de Antequera foi coroado Rei de Aragão, substituindo o falecido Rei Martín, recebendo o nome de Fernando I.

 

ANJO DO APOCALIPSE

Frei Vicente já estava bem envelhecido pelos anos de vida, com o ânimo e a saúde em declínio, em face do intenso trabalho cotidiano. Não era só o esforço diário dos sermões; e também do sóbrio e parco regime alimentar com prolongados e severos jejuns; do cilício que usava embaixo do hábito religioso e que lhe mordia as carnes constantemente; do duro leito de tábuas onde repousava cada noite tendo a Bíblia como travesseiro; não, não era somente por causa destas coisas... Mas, o que mais lhe consumia as forças: era a dor dos homens entregues a fratricidas e abomináveis contendas, o martírio de toda a Cristandade devorada por um interminável e cruel “Cisma”, o temor de que tantas e absurdas calamidades encobrissem os sinais das Graças e os chamados do “Amor Divino”, que misericordiosamente o SENHOR derrama diariamente sobre toda humanidade; assim como, a inevitável aproximação vertiginosa e verdadeira que ele acreditava e sentia, a chegada do “Fim do Mundo”.

 

VIDA METÓDICA

Todas as manhãs, bem cedo, celebrava a Santa Missa sem qualquer pressa, lentamente e refletindo nas palavras da Consagração e derramando muitas lágrimas, quando aquelas palavras e as do Evangelho afloravam ao seu espírito realçando a necessidade de remediar os grandes males da Cristandade e os erros da humanidade. E por isso mesmo, em muitas oportunidades, após a Santa Missa, fazia um sermão especial rico em emoção, indo até a porta da Igreja, falando com amor e o coração, propiciando a todos que passavam pela rua, ouvir e ficassem atentas as suas amorosas admoestações. Não falava muito, dizia o suficiente, os seus inteligentes e sábios argumentos eram colocados e explicados, num tempo perfeitamente aceitável.

Durante o dia era procurado por muitas pessoas, ávidas de receber um conselho, uma orientação, ou de se confessar sacramentalmente. E quase todos os dias, a fila de pessoas no Confessionário era grande, e calmamente, com imensa satisfação interior, atendia a todos que o procurava.

 

ARGUMENTAVA E COMPARAVA

Carregando em sua existência, o peso dos anos, já não deslocava a pé para fazer as pregações em outros povoados ou vilas. Arranjaram um burrinho manso e lhe deram de presente para a sua locomoção. Suas palestras eram também muito objetivas. Numa ocasião, quando enumerava os Mandamentos e os pecados que mais ofendiam o SENHOR, o fazia de uma maneira a não deixar dúvidas, mostrando os dedos e analisando os pontos, um a um. Sua apologia e parábolas tinham claridade e contundência suficiente para não serem nunca esquecidas, como aquela de um enfermo que preferiu, conversando intimamente com o seu Anjo da Guarda, permanecer três dias no Purgatório a uma enfermidade que o mantinha preso ao leito por muito tempo. Assim, quando morreu ficou esperando o Anjo que naturalmente o conduziria ao Céu. Mas no pensamento dele, ficou esperando o seu Anjo durante muito tempo (isto porque após a morte desaparece a noção do tempo), e quando o Anjo apareceu, ele ficou bravo e disse: “Oh! Traidor! Como me enganou! Faz três mil anos que estou aqui te esperando, e Tu me prometeste que permaneceria somente três dias no Purgatório!” O Anjo então argumentou: “Na realidade, faz poucos minutos que você está morto”. Isto significa dizer, que as dores do Purgatório são tão intensas e tão profundas, que a alma não tendo noção do tempo, aqueles sofrimentos lhe parecem uma eternidade.

Sua maneira de falar, os seus exemplos extraídos de argumentos fecundos e bem elaborados, produzia efeitos instantâneos e profundos, ensejando a conversão de muitos corações. Este era o seu grande objetivo, pois tinha a intenção premeditada de fazer as pessoas seguirem o caminho das virtudes, afastando-se do vício e do pecado.

 

CARTA A BENTO XIII

Como já mencionamos, o principal argumento que Frei Vicente utilizava nos sermões, estava fundamentado na realidade que ele acreditava de não estar muito distante o “Final do Mundo”. Todo o seu pensamento, principalmente nos últimos tempos, estava absorvido pela idéia do “Fim” , e por isso mesmo, sempre deplorava os terríveis e abomináveis males que atingia a humanidade. Em consequência, havia chegado o momento de acerto de contas da humanidade com o PAI ETERNO, no próximo Juízo Final.

Numa carta que escreveu ao seu “amigo” Papa Bento XIII, no ano de 1414, explicava com comovedora sinceridade, esta realidade dos fatos e a revelação que teve há anos, da iminente aparição do “Anticristo”. Por essa razão, muitas pessoas começaram a chamar Frei Vicente Ferrer de “Anjo do Apocalipse”.

 

DERRADEIRA TENTATIVA

E na verdade, o “Cisma” foi uma preocupação que pesou no seu viver e aos poucos, foi matando a sua vida. Aquele desejo de acabar com a divisão do cristianismo, não era só dele. Muitas outras autoridades importantes queriam exterminar este assunto, inclusive se movimentavam para que terminasse para sempre. E assim, em 1414, Frei Vicente se reuniu na cidade de Morella, com o Rei Fernando de Antequera e o Papa Bento XIII para mais uma tentativa de resolver o problema do “Cisma”. Nas conversações, interveio também o Embaixador Especial da Alemanha, enviado pelo Imperador Sigismund. Tudo em vão, o Papa Bento XIII se manteve irredutível, não abdicava o trono de São Pedro, portando-se do mesmo modo como havia se manifestado anteriormente.

Mas desta vez não houve desistência, as conversações continuaram, agora com reuniões programadas para Perpiñan, desde os fins de 1415 e inicio de 1416, inclusive com toda a corte Austríaca presente, o Rei Espanhol Fernando I, e pessoalmente o Imperador Alemão, Sigismund. O Papa Bento XIII já estava com 20 anos de pontificado e oitenta (80) anos de idade.

Frei Vicente, fez o seu mais belo e emocionante discurso, apresentando firmes argumentos, as razões mais evidentes, comparando os fatos atuais, com acontecimentos proféticos descritos nas Sagradas Escrituras. Tudo em vão, o Papa Pedro de Luna não abdicou o trono para acabar com o “Cisma” . Geralmente apresentava argumentos inaceitáveis e fundamentados no querer do ser humano, que sempre mostrava “uma ponta de vaidade”.

O Imperador Alemão Sigismund, enojado e revoltado com a atitude do Papa Bento XIII, abandonou a reunião, dizendo estar disposto a conseguir o seu objetivo até a força, se necessário fosse. No mesmo dia, deixou a cidade de Perpiñan e regressou a Alemanha. Frei Vicente inconformado e desapontado com a renitente e incompreensível recusa de Bento XIII, adoeceu, ele que já vinha enfrentando problemas de saúde há algum tempo. Muitos dos seus amigos chegaram a imaginar, em função das reações que apresentava o organismo dele, que havia chegado há sua hora. Foi medicado, fez o tratamento recomendado, mas não ficou totalmente curado.

 

SEPAROU-SE DO PAPA BENTO XIII

Ainda em Janeiro de 1416, estando um pouco melhor, Frei Vicente subiu ao púlpito no Castelo Real de Perpiñan e declarou não ser mais obediente a ordem de Bento XIII. Com aquelas palavras, o “Cisma” estava condenado. Pela sua grande influencia, aquela posição do Dominicano representava o ponto de partida para a queda do Papa Bento XIII. E de fato aconteceu em 1418, no Concilio de Constanza, Bento XIII foi deposto e eleito o novo Pontífice de toda humanidade, o Papa Martinho V.

 

PREGANDO E EVANGELIZANDO

Frei Vicente, cansado pelos muitos desapontamentos e enganos, não quis participar do Concilio de Constanza, permaneceu na França, rezando, fazendo palestras e sermões em menor escala, em poucas cidades e povoados, evitando as zonas de conflito armado. Os franceses estavam duramente castigados pelas guerras que nunca terminavam. Quando em 1415 se realizavam as conversações em Perpiñan, para acabar com o “Cisma”, o Rei da Inglaterra, Henrique V, invadiu a França iniciando uma abominável contenda que a história guardou como “Guerra dos Cem Anos”.

Em todas as visitas que fazia, o povo acolhia carinhosamente e com entusiasmo a chegada do “Santo Homem” com sua fervorosa “companhia” de peregrinos, e as consoladoras palavras da sua pregação. Como ardorosas rosas, também floresciam por onde passava as maravilhas de novos milagres Divinos, e o milagre contínuo e enternecedor da sua palavra, numa admirável transfiguração do Frei velho e cansado, em vibrante e viril pregador. Marchava todo o dia, montado no seu burrinho manso. Queriam envolvê-lo na política, a favor dos ingleses, ou a favor dos franceses. Ele não se interessava, queria a paz. Seu objetivo era despertar todos os corações para sinceramente amarem a DEUS. Falavam muito da heroína francesa Joana d’Arc, mas respeitosamente, Frei Vicente abençoava todo bom e heróico empreendimento que ela fazia, mas pregava com vigor e convicção o cultivo do entendimento, o viver fraterno e o sincero amor mútuo.

 

UMA PREDIÇÃO

Em Besançon se encontrou com a Monja Clarissa Colette de Corbie que vivia com grande santidade e era considerada Santa, em vida. Conversaram sobre a fé e assuntos cristãos. Por fim ela predisse a sua morte. Ele agradeceu, considerando ser uma singular distinção da Providência Divina.

 

MORTE DE FREI VICENTE

Continuou com suas andanças e fervorosas pregações. Quando chegou o mês de Março de 1419, já não podia andar e nem se levantar; as chagas dos pés e das pernas se transformaram em úlceras, e uma febre intensa ia esgotando as suas últimas energias. Todos, sem exceções, gente pobre e os nobres procuravam ajudá-lo e lhe rodeavam com solícitos cuidados. O seu organismo já não reagia mais. Mantinha-se deitado e no silêncio do quarto, somente os seus olhos negros se movimentavam dizendo da sua presença. Os irmãos Dominicanos e seus amigos não se afastavam do seu leito. Frei Vicente Ferrer faleceu no dia 5 de Abril de 1419. Como escreveu um poeta: “Chegava à primavera; pela janela aberta entraram umas mariposas lindas e brancas, que deram uma volta no cômodo, e ao sair levaram a alma de São Vicente Ferrer para o Céu”.

 

CANONIZAÇÃO

O processo relatando as suas obras e os milagres de DEUS ocorridos por sua intercessão teve inicio logo após a sua morte, e foi apurada uma quantidade notável de ocorrências, confirmando a sua grande santidade e o imenso amor que NOSSO SENHOR tinha por sua pessoa. Consta do processo canônico a descrição de narrativas numa quantidade acima de 800 fatos milagrosos.

Vicente Ferrer foi CANONIZADO na Igreja Santa Maria Sopra Minerva, em Roma, no dia 3 de Junho de 1455, pelo Papa Calisto III. Porém, sua festa é celebrada no dia 6 de abril, porque foi nesta data que o Papa Pio II, que substituiu o Papa Calisto III no trono de São Pedro, autorizou a festa litúrgica, no ano de 1458.

 

PREMONIÇÃO

Fato interessante e digno do maior respeito aconteceu com o Papa Calisto III. Nos anos quando terminava os estudos no Seminário, ainda como diácono Alonso de Borja (italianado Alfonso de Borgia), com 28 anos de idade, ouviu uma profecia a seu respeito, feita por Frei Vicente. Numa Santa Missa que o Santo Dominicano celebrou em Valência, ele estava presente e se emocionou, admirado com o precioso sermão da sua invulgar oratória. Terminada a cerimônia, no meio de uma multidão de pessoas, também se aproximou de Frei Vicente, para solicitar preces “a fim de ajudá-lo na caminhada existencial”. Frei Vicente olhou para ele e disse: “Eu te felicito, meu filho, pois tenha presente que um dia estará em evidência na sua pátria e na sua família, pois será revestido da maior dignidade que um homem pode alcançar. E eu mesmo, após a minha morte, serei objeto da tua veneração”.

Frei Vicente previu que aquele Diácono "alcançaria a maior dignidade que um homem pode alcançar", seria o futuro Papa Calisto III, e que também ele, o diácono que será Papa, após a morte de Frei Vicente, ia venerá-lo, "como a um Santo", após a cerimônia que ele, o Papa, presidirá na futura Canonização do Frei Vicente. E isto de fato aconteceu. Por outro lado, o Papa Calisto III foi um excelente administrador que trouxe muitos benefícios a Igreja, e também, foi quem autorizou a revisão do processo da condenação de Joana d'Arc, o qual, depois de concluído, ele reconheceu assim como toda a comissão, a total inocência de Joana em 1456.

 

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